Sentia-se idiota por ter tanta fome.
Era suposto ter arrancado de casa há pelos menos duas horas atrás, mas perdera-se na preguiça e conforto do sofá enquanto teimoso, tentava pela enésima vez terminar o livro do Julio Verne que estava simplesmente... a odiar.
Lembrou-se ao colocar os óculos escuros no rosto que tinha que os mandar graduar, sorriu no pensamento de, com óculos escuros ter a vantagem de olhar sem verem para onde estava a olhar...
Mas no seu caso... também não via para onde estava a olhar!
E saboreou o pensamento idiota rua abaixo.
Enfiou as mãos nos bolsos das calças e entregou-se ao sol.
Chegou à rua que procurava, onde a oferta de cafés e restaurantes com esplanada era imensa e variada...
E gajas, esplanadas apinhadas de gajas à hora do almoço.
Já ia tarde, estava pouca gente, menos gajas mas mais lugares onde se sentar.
Avançou pelo meio das mesas e cadeiras, não sabia o que lhe apetecia comer mas sabia que não era nada relacionado com saladas, e sim, devia ter planeado melhor a coisa, o que ia comer antes de chegar às esplanadas.
Decidiu-se a manter a postura que tinha tudo controlado e continuar a andar como se fosse sua intenção inicial sentar-se na esplanada com as cadeiras pretas lá para o fundo da rua.
Ouviu o seu nome, virou-se
-Heeey! não vás... espera!
Ela engasgou-se quando o viu, conseguiu dizer o nome dele levou as mãos à boca a tempo quando se engasgou para não cuspir o almoço sobre a mesa.
Respirou e levantou o indicador, pedindo-lhe um segundo.
Ele riu-se e baixou-se para lhe dar um beijo, ela rodeou-lhe o pescoço com os braços e beijou-o no rosto.
- Atão... andas a fazer?
- Não te parece óbvio? que estou a almoçar? tenho comida na mesa...
- E nos dentes...
- Onde? aah que... estás a fazer...
Levou a mão ao rosto dela, disse-lhe para deixar acontecer, que estava a acontecer e enfiou-lhe um dedo na boca entre o lábio superior e os dentes, sem classe, charme ou nível, exagerando o gesto num toque extra de badalhoco.
Ela esbugalhou os olhos, incrédula mas não o impediu.
Tirou o dedo e sorriu, perguntou-lhe se tinha sido bom para ela também...
- Eu... isto... isto aconteceu? diz-me que isto não aconteceu...
- Sinto-me... sujo... foi bom, mas sinto que fizemos algo... errado, com pessoas a ver... eu gosto quando me estão a ver...
- Já chega!- riu-se, meio alarva com gosto, meio engasgada. Controlou-se e abraçou-o ternurenta.- já não te vejo há demasiado tempo meu anormal, e estás bronzeado... posso-te mandar à mer... olha, queres almoçar comigo? ainda estou a meio...
- Já que estou sentado... tenho uns 40 minutos que tenho que voltar ao trabalho mas pera, isto é uma cena de gajas... tou a ver muita salada no ménu...
- Estás de óculos escuros... ninguém te reconhece...
- E não era retardado comer de óculos escuros?
- Enfiares-me o dedo foi o quê?
- Consentido... mais ou menos... sinto-me molestado...
- aaah, vá lá! não me vês há pelo menos 3 anos, faz-me a vontade... espera... "enfiares-me o dedo"... isto soa tão porco...
- Bom, o que me vale é que estás ultra gira, ao menos se for visto por alguém que me conheça aqui vão pensar que ando a ter sexo contigo e este é o meu sacrifício para o acesso às zonas de recreação do teu corpo... o que faz sentido
- Aww... estás a dizer que estou ultra gira ao ponto de acederes a ser visto numa cena de saladas para gaja?? sabes mesmo como fazer uma mulher sentir-se especial e única...
- É um dom...
Abraçou-o novamente.
- Já escolheste? posso pedir por ti? prometo que não peço nada com rúcula...
- Boa memória...
- Eu lembro-me de muita coisa sobre ti... já concretizaste o teu sonho de colocares uma suspensão hidráulica na sanita?
- Tens que concordar que era uma ideia 5 estrelas...
Fitaram-se em silêncio, sorrindo.
- Tu não me vais perguntar por ela pois não?
- Não, era estúpido perguntar-te pela ex, só porque ela era tua amiga, eu acho, sinto que a minha relação contigo, o meu afecto por ti ou a minha simpatia... é porque gosto de ti, não porque eras amiga da namorada... o que foi?- parou de falar quando a viu largar os talheres com ruido sobre o prato, fitando-o com vontade de lhe bater
- Então porquê que me privaste e ti este tempo todo? porquê que passaram quase três anos desde que estive contigo?? foda-se, se é toda essa merda que me acabaste de dizer porquê que não foste aos meus aniversários? convidei-te sempre e tu...
- Porque não era correct....
- Enviares-me postais das tuas viagens? foi correcto? não estás comigo e envias-me postais lá da puta da Patagónia... ou pior, porque és um cabrãozinho hilariante... um postal da costa da caparica... QUEM É QUE ENVIA POSTAIS DA COSTA DA CAPARICA FODA-SE!!! eh pá, a sério, só me apetece mandar-te embora da minha mesa ou...
- Não encontrei nenhum do Parque de campismo da costa...hey! baixa a mão! já falamos sobre isto da outra vez que me bateste!!
- Qual delas?
- Vês o problema? plural...
- Todas as vezes que te bati foram justificadas... todas!
- Só aceito a vez que te comi uma caixa de barras de cereais... mesmo sendo um pouco exagerada a tua reacção...
- Exagerada? faz lá o filme da cena.
- Portantos, eu, querido e fofo fui a tua casa entregar-te o teu saco que tava em casa da quem nós sabemos...
- A tua conjugue na altura
- Exacto, eu chego buéda simpático, tipo panda ao domicilio e como te ia dar boleia e a madame não tava arranjada fiquei no teu quarto à tua espera...
- De onde vinhas? diz-me de onde vinhas
- De uma futebolada com o pessoal
- Estavas portanto... cansado e suado...
- E cheio da fome, e as barras tavam mesmo ali... e tu demoraste.. e...
- E tu tiraste os ténis, atiraste-te para a minha cama, suaste-me a coberta da cama toda, deixaste um cheiro a téni suado no quarto, comeste-me 5 barras de cereais numa caixa de 6 que comprei para levar para o trabalho...
- Mantenho que só tinhas provas circunstânciais...
- E depois foste contar a toda a gente que te tinha batido, e chamaste-me Ana Leão e a merda da alcunha pegou e até o meu Pai já me chamou isso!
- Como é que chegámos ao Leão?
- Quando tavas a contar a história no café a TODA A GENTE começaste a fazer um gesto com as mãos como se fosses um gato a arranhar, que pareço ser fofa como um gatinho... como se eu tivesse problemas em te bater de mão fechada, e quando disseste que não era um gatinho, era um leão e que até sou do sporting e devia ser a minha alcunha e ... pára de te rir, odeio-te, não tem graça... sempre que levanto a voz começam todos "aah leão! aah leão! é fera! é fera!" ca raiva porra!
- E no entanto... já admitiste que tinhas saudades minhas.
Fitou-o irritada.
- Eu não falo com ela há quase 7 meses.
Ela cruzou os braços e encostou-se na cadeira, fitando-o, aguardando a sua reacção.
Ele abanou a cabeça negativamente, respondeu:
- Estás-me a encurralar, eu não quero saber dela! quero saber se estás bem, se estás realmente bem... porquê que me estás a dizer isso?
- Porque tu entraste na minha vida por ela, estás fora da minha vida por ela... agora não há ela, nem na minha vida, nem na tua...
- Porquê que me estas a dizer isso tudo?
- Tudo? se eu te dissesse tudo... ah.. o teu trabalho?
- Tarde demais, diz tudo.
- Não, e não teimes, vamos falar de coisas importantes e pertinentes, como está o teu trabalho? os teus pais? o teu cão? como é que está o grande Diego Mateo? o teu cão é tão awesome, ainda tens o cacto que te dei? tu ainda...
- Óptimo, Óptimos, Preguiçoso e dizes que é awesome porque lhe davas buéda comida e festas e ele é uma pega e tava sempre atrás de ti, o cacto está vivo e de boa saúde, agora diz-me, diz-me o que está por dizer...
- Não... por favor...
- Como quiseres.
Fechou os braços e encostou-se na cadeira, fazendo dela espelho.
Ela remoeu o silêncio, descruzando os braços, lançando as mãos ao ar na sua direcção estrangulando-lhe a imagem.
- Esquece o assunto, falamos de outra coisa, sempre trocaste de carro? ou continuas com o...
- Ok, eu falo, mas encurralaste-me... e não é assim, não tão assim agora sem aviso... ter esta conversa contigo...
- Se te der mais jeito n'outra altura...
- Vai à merda ok?
- Sinceramente, prefiro que me batas...
- Eu também prefiro quando te bato.
Mexeu na pulseira, remexeu no relógio, desviou dele os olhos, fitando o prato à sua frente.
- Tu disseste uma vez uma frase armado em machista idiota sobre as mulheres...
- Foram tantas...
- Não me interrompas! que isto não é fácil.
Fez uma pausa para reencontrar a ideia, passou as mãos pelo cabelo e afastou-se da cadeira, colocando os cotovelos sobre a mesa fitando-o nos olhos.
- Disseste que, quando um homem vê um amigo com uma namorada muita gira ele pensa que quer uma gaja daquelas para si e uma mulher quando vê uma amiga com um gajo muita giro ela quer o gajo da amiga para si.
Eu a começo pensei que eras um idiota mas tinhas um certo charme e a outra anormal estava sempre a rir.
Eu depois pensei que queria um gajo na tua onda para mim.
Eu depois dei por mim a arrancar cabelos porque queria o gajo da minha amiga para mim.
Levantou a mão para esperar quando o viu abrir a boca para falar.
- A começo achei que era apenas química, que tínhamos alguma química mas depressa percebi que não era apenas isso.
Era impossível ser apenas isso. Ficava ansiosa por te ver, por estar contigo.
Mas isso também depois começou a magoar... muito, e até te digo, foi no dia dos meus anos que percebi, estavam todos lá dentro a comer a minha comida e eu fui para a varanda porque me estava a irritar com a minha prima...
Tu apareceste lá na varanda e disseste- "Ana! a beber cerveja da garrafa? não pode!" e sentaste-te ao meu lado, deste um toque com a tua cerveja na minha tipo brinde e disseste que estávamos velhos, eu disse que tu é que estavas velho que eu ainda tinha direito ao cartão jovem e tu puxaste-me para ti, abraçaste-me com o braço que estava do meu lado e deste-me um beijo na testa... e de seguida disseste que eu estava em negação... mas eu fiquei ali, meio enroscada em ti.com o coração aos saltos a sentir-me uma porca por tar a gostar e comecei a sentir-me uma merda porque ia acabar a qualquer instante... e fartei-me de chorar no Concerto dos The Cure no alive quando tocaram a In Between days porque me lembrava de ti e depois para me foder mais a cena de tar a chorar à frente de toda a gente tocam a Just like heaven... mas não foi só isso, foi tu na minha cama como se fosses meu quando me comeste as barras, tu ali como se fosse comigo que estivesses, como se fosse normal e mais um dia eu entrar no meu quarto e tu estares ali... e sim, bati-te também por isso, por ter essa raiva... e diz qualquer coisa foda-se!
- aah... tu disseste para não falar...
- E tens a cena na praia que quando eu fui apanhar ar na tromba porque já me tava a irritar a cena que ela te tava a fazer e tu cheio de paciência e eu tava ali de sandálias na mão e tu apareces-me do nada, levantas-me ao colo e deste duas voltas comigo no ar...e sim, foi por isso que te abracei de seguida e fiquei a olhar toda parva para ti a rir... a pensar em coisas... e tu quebraste-me o momento com " elas foram cantar amarguinhas no Karaoke... salva-me" e eu sentei-me no chão, tu sentaste-te ao meu lado... e... eu comecei a atirar conchas para a areia assim sem sentido... não te rias! tou a falar de um momento importante entre nós.. e... e eu atiro uma concha e acerto na carola de uma gaivota não me perguntes como que estava escuro! e gaja fica a olhar para mim com um ar toda ofendida, memo magoada e sentida e ficamos 5 minutos a rir os dois... e... já chega, já falei demais... vamos mudar de assunto? diz-me, como vais salvar os Pandas?
- Não acho que tenha sido demais... acho que foi um pouco... não estava à espera...
- Os pandas! diz-me!
- Simples, viagra no panda macho, álcool na panda bitch...
- AHAHAHAHAA, oh meu deus! explica isso
- Atão, o panda macho fica todo cheio de vontade, a panda bitch fica toda pega e fácil tipo gaja do norte, mas voltemos ao outro assunto... que não esperava...
- Foda-se, eh pá, deves-me achar deprimente não é? grande looser eu sei
- Não...
- Mas depois, há coisa de ano e meio, eu até que conheci um gajo... mas ele não eras tu e não funcionou por isso, e sim, estou a por-te a culpa em cima da minha ultima relação
- Ah... como é que eu tenho culpa?
- Ele não tinha a tua piada, ao pé de ti era uma menina, eu batia-lhe e ele ficava "ai... magoaste-me, aleijaste-me..." e ficava quase a chorar todo nenuco, eu dizia "é demasiado comprido, foi por detrás à bruta" ou qualquer coisa do género e ele não era capaz de me devolver um "isso foi o que ela disse!" como é de lei e d'homem fazer nesses momentos...
Eu até pensei em comprar uns bollycaos e esquecer-me deles no meu quarto a ver se ele os comia só para fazer uma cena e... e depois ele gostava de John Mayer, o que se fosse uma gaja se percebia e eu devia ter percebido que dai era sempre a descer... é que ele gostava de Coldplay! e...
E estou a ser muito injusta, ele não era assim tão mau... o problema é que eu comprava-o contigo a toda a hora, nem era com o meu ex antes dele, era mesmo contigo, era uma situação que ele não tinha como vencer e... eu só me podia resignar ao ridículo da minha pessoa, do patético da minha situação de ele às vezes, quando o fitava meio desfocado ou assim um pouco ao longe... até ser fisicamente parecido contigo, o que era totalmente creepy quando percebi e por isso não fui capaz de fazer sexo com ele nos 3 meses que andámos a sair e tu nem me aceitas-te no facebook meu cabrão, nem isso me deste! e agora fala e diz qualquer coisa, só não me levanto e fujo embora porque ainda não paguei.
- Fujo embora?
- Xiuu, responde, fala... oh... o alivio, não tens noção, parece que respiro melhor... até tou a suar!
Esboçou 3 vezes que ia começar a falar sem conseguir encontrar maneira de pegar no assunto.
- É que começamos de um modo errado... e eu...
- "if you don't start somewhere you're gonna go nowhere"
- Isso é de?
- Bob Marley, mas não achas que a maneira como começou é um pouco irrelevante agora? não será melhor reagir perante a situação que temos à frente em vez de...
- A situação? estás a chamar "situação" a tudo que acabei de dizer?????? ao menos dizias qualquer coisa de jeito, chamavas-me parva ou dizias que eras gay... isso, diz-me que és ultra gay e eu fico mais... estás a fazer?
Levantou-se, contornou a mesa, desviou-lhe o cabelo do rosto e respondeu-lhe na boca, demorando-se, respirando e inspirando-a.
Voltou ao seu lado da mesa e sorriu, aguardando que ela voltasse ao sítio ou pestanejasse.
Ela arqueou as costas, esticou os braços, fitou-o de baixo para cima.
- Tens noção que eu vou-me levantar e tu... bem, eu sei que tens que ir trabalhar e não tá a tocar Nina Simone... mas... baby... you are gonna miss that plane...
Sorriu, encostou-se na cadeira e chamou-a com o dedo.
- I know...
Nota - Eu sei, este texto não correu nada como tínhamos combinado mas não lhe resisti, sorry.
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