quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Corvo Negro.

Acordou com o telemóvel a vibrar sobre a mesa de cabeceira. Esticou o braço mas já não foi a tempo, viu o registo de chamadas e o número não estava identificado. Olhou para as horas, espreguiçou-se. Deslizou para fora da cama sem levantar muito os lençóis para não a acordar com frio, afinal, estava nua dentro da cama.
Olhou para ela e sorriu.
Estava para lá de satisfeito, estava feliz.
O quarto estava quente, denso. Saiu para lavar os dentes, já não tinha sono mas podia perfeitamente voltar para a cama depois e "acidentalmente", num toque totalmente involuntário...  que se iria "acidentalmente repetir até a acordar...repetirem o que tinham começado ontem sobre a mesada sala.
Transportou-se para esse momento, em que ela sentada sobre a mesa sorria enquanto ele lhe abriu os botões da camisa, devagar. Deixou-se ficar por ali, no peito dela... na recordação deste.
Esticou os braços para o ar de pé no meio da sala. Virou-se quando ouviu a porta do quarto abrir. Ela surgiu com a sua camisa vestida, descalça e com o seu telemóvel na mão.

- Estão-te a ligar, é anónimo não atendi... bom dia - entregou-lhe o telemóvel e foi lavar os dentes depois de o beijar no rosto.

Atendeu.

- Estou? bom dia... quem fala?... ah... sei, o que me queres?... estás-me a ligar porquê? o quê?... o quê que eu tenho a ver com... NEM PENSES! tu não te atrevas... tu.. filha da puta...  FODA-SE NÃO!NÃO! NÃO!... Foda-se! foda-se foda-se!! FODA-SE!

Atirou com o telemóvel para o sofá e deu um soco no ar.

- Hey!

Virou-se para a encarar

- Heeeey! estás-me a assustar... o que se passa? - disse, abraçando-o de seguida.

Sentou-se no sofá, ela rodeou-lhe os ombros com o braço - fala comigo porra!
Colocou as mãos sobre a cabeça - filha da puta...



-


Estavam sentados na esplanada há coisa de dez minutos quando a viu passar. 

- É aquela ali... - disse, apontando discretamente. Ela baixou o livro e baixando a cabeça para a ver por cima dos óculos escuros respondeu-lhe:

- É gira... foda-se, coitada... olha... como é que vais fazer isto?

- Espero que ela se sente, depois sento-me com ela e digo-lhe o que te contei de manhã em tua casa... porquê que sorris?

- Porque gosto de ti! até metes nojo... 

- Aaaaaah... deixa-me ir, se fico aqui contigo começo a enrolar e depois nunca mais, não a quero deixar muito tempo à espera... tu ficas bem?

- Tenho o meu livro, tenho café e o cú confortável... e não queria estar no teu lugar agora.

- Eu não queria estar no dela...

- Isso, mais isso, eu amo-te, dá-me um beijo e vai lá...

Beijou-a, demorou-se por gosto primeiro e depois por querer o tempo suspenso naquele instante.

Ajeitou o casaco e entrou no café.

Aproximou-se da mesa onde ela se encontrava, parou diante desta até ela reparar em si.

- Olá, bom dia, posso-me sentar?

- Olá... ah... - franziu os olhos, estava a começar a reconhecer quem era - eu estou à espera do meu... eu conheço-te?

Sentou-se

- Conheces, e... e...

- Já sei, não eras colega de um amigo do...

- Sim, da faculdade...

- Ah! estás aqui a fazer? o que é feito de ti? tu não eras da turma?

- Sim, tudo isso, olha... anos atrás.... eu ia de carro para o Alentejo com o meu Pai, sempre me dei muito bem com ele sabes... ele contou-me, estávamos a falar de Rolling Stones, que tinha um amigo para casa de quem ia ouvir os álbuns, esse amigo quando chegou a idade de ir pá tropa, naquela altura havia o Ultramar, o amigo não queria ir, decidiu fugir para França e pediu ao meu Pai depois de fugir, para ir no dia a casa dele contar aos Pais dele e foi uma cena do caraças, ainda por cima uns dias depois o gajo é apanhado na fronteira e recambiado para casa e... enfim, uma salganhada do caraças... e calma, já vais perceber... eu lembrei-me desta história enquanto te esperava à pouco, ali fora até tu chegares...

- Esperavas-me? eu combinei aqui com...

- Ele não vem.

- O quê?

- Hoje de manhã, ele ligou-me. Nós, eu e ele, nunca nos demos bem na faculdade. Cheguei a dar-lhe um banano no focinho porque... porque andou a meter os cornos a uma outra colega nossa de turma com quem eu me dava mais ou menos bem e andava a comer outra gaja à frente dos colegas... eu disse-lhe que ele tinha que ser homem e respeitar a namorada, ele espingardou e quando cresceu para mim.. bem, avançou e eu na altura andava no boxe... foi patético... só mantivemos contacto porque sou amigo como tu sabes do primo dele... hoje de manhã ele ligou-me, não sei de onde mas não de Portugal, ele disse-me que sabia que eu era homem para fazer o que estou aqui a fazer mesmo não tendo relação contigo... não por ele, mas para não te deixar aqui... sozinha, à espera de alguém que não vem.

- O quê que tu estás a dizer? isto é uma piada?

- Não não é!, ele não têm tomates para acabar contigo, como não teve com a outra nossa colega, ele bazou, foi embora, foi embora com uma gaja qualquer e não teve coragem de te vir dizer isto aqui e agora... fez de mim o teu corvo negro de más noticias...

- Mas nós vamos... amanhã... ele disse...

- Liga, liga a quem souber dele e pergunta por ele, aos pais, aos amigos, a quem quiseres, eu já perguntei ao primo dele se ele tinha pedido o meu número e ele disse-me que sim, justificando-se quando o pediu com uma questão de trabalho... eu não quero ser frio ou... eu não sei como te dizer isto...

Ela agarrou no telemóvel, ligou aos pais dele que lhe estranharam o telefonema, afinal, tinham terminado a relação um mês atrás segundo o filho... ligou para um amigo dele que lhe respondeu o mesmo...

Atirou o telemóvel para cima da mesa e levou as mãos ao rosto.
Ele deixou-a uns segundos estar só. Levantou-se, contornou a mesa e sentou-se ao lado dela que, sem perguntar se podia ou ele oferecer... abraçou-o, chorando.

O tempo passou, acalmou.
Ele perguntou-lhe a quem ela ligaria se fosse preciso esconder um corpo. Procurou o nome da amiga no telemóvel dela, ligou.

- Olá, a tua amiga precisa de ti. Ela não está só nem vai ficar até tu chegares, quando podes? uma hora? ok, eu espero.

- Porquê que tu... estás aqui? tu não me conheces... tu nem gostavas dele... 

- Se eu não estivesse aqui, estarias aqui sozinha à espera de alguém que não ia aparecer nunca, ias ficar na ignorância... e talvez até ficar preocupada com quem não... eu moro aqui perto, não me deu trabalho e...

- E agora?

- Agora?

- Sim... o que faço agora? era suposto...

- Agora estás livre dele... 

- Ele fez sexo comigo ontem, disse-me que me amava e hoje íamos... foda-se...

- Não... não dês valor ao que te dizem... se tu respondeste de volta... dá valor ao que tu dizes que sentes, mesmo que seja por quem não merece ou não sente o mesmo... 

- Olha, a minha amiga já vem ai... 

- Então... estás entregue...

Abraçou-a, beijou-a no rosto e perguntou-lhe se podia a procurar e saber dela dai a uns dias e que se precisasse, estava à vontade para o procurar, estando também livre para o esquecer já que era a personificação de um momento de dor...

Ela respondeu-lhe que o iria procurar sem falta e mergulhou nos braços da amiga depois de se despedir com um sorriso.

-


Rodeou-lhe o pescoço e beijou-lhe os lábios sérios e carrancudos.

- Então? como correu fazeres de Cassandra?

- Usei a imagem mitológica do Corvo negro como portador de más noticias, ainda pensei na Íris mas era um mensageiro dos deuses e isso elevava o outro cabrão, a Cassandra tinha a maldição de ninguém acreditar nela e um corvo... é mais viking...

- E como tu agora teimas em não fazer a barba...

- Vês como tu me conheces tão bem... Vamos embora? preciso de...

- Um gelado na Santini? e depois faço-te sexo e depois levo-te a jantar antes de irmos ao cinema?

- Frigg? és tu?

- Quem? 

- Uma espécie de profeta na mitologia nórdica... a mulher do Odin... Frigg ou Frigga, também pode ser assim.

- É por isto... e pelo que fizeste ali dentro... que eu inequivocamente te amo... és tão anormal ás vezes...

- Eu sei, eu sou encant...








Um comentário:

Hathor disse...

tinha saudades disto eu....
:)