Estava irritada e decidiu mudar as coisas.
Escreveu-lhe uma carta escrita, com uma letra bonita e cuidada.
Cuidou da caligrafia com calma e suavidade.
Fechou o envelope e deixou-o acalmar sobre a mesa.
Desceu a sua rua determinada até ao marco do correio, sentia-se nervosa...
Sentia-se de certo modo... ridícula...
Hesitou, sentia-se sem coragem de a deixar partir, de consumar um gesto em silêncio e ficar no tempo à espera talvez de uma resposta...uma resposta talvez rude.
Meditava e dizia para si mesma que talvez pudesse rasgar a carta...
Rasgar e não sofrer mais...
Mas não teve a coragem, não ia fazer uma tamanha desfeita a si mesma.
Abriu as mãos e sentiu a carta deslizar-lhe pelos dedos.
Ficou de braço estendido uns instantes, absorvendo a inevitabilidade do seu acto.
Estava a ser tão dramática... ridícula!
Não sabia como conseguiu subir a rua de volta até sua casa, como conseguiu abrir a porta ou coordenar os passos até cair desamparada no sofá.
O tempo passou, os dias intranquilos até que num dia sem o estar à espera...
Oh... surpresa rude, reconheceu-lhe a letra num envelope à sua espera entre outras cartas...
Estremeceu...
Levou o envelope junto ao peito... será alegria, será tristeza...
Correu para o mesmo sofá, sentou-se e largou o manuscrito ainda selado sobre a mesa à sua frente.
Suspirou e disse- isto está a dar cabo de mim...
Pensou, mas não rasgou, abriu a carta satisfeita por se estar a desviar do cobarde fado do poema...
Por corajosa renegar tão fantástica e por si adorada música...
Sorriu, riu e releu com redobrado gosto as primeiras palavras que ele lhe escreveu.
Acabou a carta pela terceira vez e deu por si com esta encostada aos lábios antes de a dobrar e guardar cuidadosamente dentro do envelope onde ele a colocara...
Queria-o pesaroso e a medo hesitante antes de ter aberto a sua carta
Queria-o imaginar receoso, nervoso e preocupado com o português que lhe fechou no envelope como resposta...
Estava convicta, na certeza de algo que não se vê, não se ouve mas se sente e sabe ser real
Que assim como ela o fazia agora, induzida pela sua resposta, ele cantara o mesmo verso que lhe escrevera como segunda frase...
"Com Bethânia me escreves, com Bethânia te respondo...
...primeiro você me azucrina... me entorta a cabeça... me bota na boca um gosto amargo de fel... depois vem chorando desculpa, querendo ganhar um bocado de mel..."
Nota do Autor:
"Afinal...
Só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor... é que são ridículas"
Feliz dia mundial da poesia
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