sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Armadilha

Doía-lhe demasiado o corpo para se espreguiçar, doía-lhe do lado direito para onde dormia, doíam-lhe os tríceps os bíceps e se as orelhas acabassem em íceps também lhe estariam a doer.

Respirou o mais fundo que o seu peito conseguiu sem dor.

Levantou-se e procurou o telemóvel.... seis chamadas não atendidas... três mensagens...

Era recorrente e sufocante quando não atendia à primeira a sucessão paranóica com que lhe ligava até ter resposta, mesmo ela sabendo que estava a dormir, a ver um jogo... nas aulas ou no wc.

gajas...

Deixou o calor da água envolve-lo, deixou a sua mente desligar e esquecer as dores no corpo, o peso de todos os seus problemas que o rodeavam antes de adormecer e o atormentavam assim que acordava.

Não tinha tempo para nada nem para pouca coisa.
Conseguira uma hora em duas semanas, uma singela e catita hora de ginásio em duas semanas de exercício nenhum.

E o corpo como se ressente...

e a mente... o cansaço acumulado de tanta semi-discussão, mais um monologo sobre si que um esgrimir de argumentos...
mas ai o problema é masculino, numa discussão temos o handicap de precisarmos de fazer sentido nos argumentos.

Queria mais dela, queria-a não diferente, mas apenas em instantes uma faceta diferente.
Não era a intensidade ou o toque carinhoso, o decote e a ponta da lingua no seu pescoço, não era o cheiro perfumado que lhe deva taquicárdia quando passava diante do seu nariz...

não era o sabor na sua boca, a voz suave com que o chamava de estúpido ou dizia- estou farta de ti

não era o jeito com que enrolava o cabelo quando estava ansiosa, não era isso...
era o lamento de ver tudo isso fugir-lhe das mãos entre os dedos... era tudo aquilo que podiam ter sido e sabia futuro vão na sua vontade... apenas desejo sem terreno sólido onde firmar os pés no chão...

como quando corria para o abraçar saltando-lhe para o colo, indiferente se o atirava ao chão.

era tudo isso, todas essas coisas que o prendiam destruídas no intervalo de um beijo, em tantas coisas que moeram e o levaram a decidir-se por um fim.

era o fim de ambos como um nós.

queria-a mais, queria tudo dela com mais força...

mas assim não.

Abriu a tampa do telemóvel, suspirou.

atendeu.

- Estava no banho... bom dia.

- estás a demorar imenso... não atendeste quando te lig..

- estava a dormir, vou para ai agora.

Desligou, um pouco rude talvez, mas era cansaço, era mais do mesmo e não tinha a paciência de antes.

Deixou-se deslizar pelo trânsito, incrível o sucesso com que furava entre a Praça de Espanha em dia de temporal, pelo Marquês... Rato até Alcântara em menos de 20 minutos na confusão de hora de ponta, era senão um excelente tempo um tempo récord.

Queria ser menos forte, fraco um pouco mais.

Desesperar e estravazar a tristeza que o invadia no gesto da sua mão ao toque na campainha, em que formalizava a sua presença ali... trágico e rendido à evidência de não poder mais continuar naquela batalha que os destruía, que levava a recear todos os seus gestos ou não gestos... só para não surgir algo que os arranca-se para um novo conflito, outra discussão monologa em que distanciava no pensamento- cala-te sua mula e beija-me, cala-te e senta-te em silêncio comigo, cala-te e diz que gostas de mim e vai ficar tudo bem, damos a volta ao jogo na segunda parte e ganhamos por goleada 4-1...




Era demais, era irritante e um stress que a deixava com calor, comichão e em desesperante desconforto.

Perdera o sentido o controle a razão das coisas.

Não sabia como fazer, dizer ou materializar o turbilhão que a invadia na sua ausência, quando o sabia longe distante num outro sitio qualquer que não ali... ao pé dela.

O idiota não percebia que era complicado segurar as rédeas de tudo que queria... o que queria dizer, caramba, olhava para ele apetecia-lhe morder-lhe o pescoço... não uma trinca ligeira... afinfar-lhe os dentes até lhe arrancar um pedaço enorme e suculento... a dieta que se foda, tinha que o morder, saborear, mastigar... arrancar-lhe os cabelos e adormecer perdida no cheiro dele...

Queria controlar tudo isso e não sabia como.

Apetecia-lhe gritar ás vezes com ele, precisava de lhe arrancar uma qualquer reacção, sentir a bem ou a mal que mexia com ele, que era qualquer coisa nele.

E sentia que o perdia pelos dedos das mãos.

Sentia que não sabia como o puxar para si e dar-lhe a vontade de ficar do seu lado... mesmo calado sem piadas idiotas, mesmo quieto sem as suas mãos no seu corpo... mas estar ali consigo e para si.

Mas hoje tinha um plano.

Era terrível, mas hoje seria o dia em que iria libertar aquela vontade que acumulava no passar dos dias, era hoje e desse por onde desse...

ele seria seu.

Literalmente.



Encontrou a porta aberta sem que ela esperasse por si como era normal.
Não foi recebido com um abraço, beijo e tentativa de procriação in loco diante da casa cheia de convidados.

Ouviu-a chamar do quarto.
Fechou a porta atrás de si e ganhou mentalmente balanço.
Percorreu tenso o corredor e abriu a porta. Estava sentada diante do espelho, escovava o cabelo negro solto sobre os ombros. Viu-a sorrir para si em reflexo pelo espelho, viu-a erguer-se e virar-se na sua direcção.

Estava um vagalhão... um rotativo no queixo, simplesmente deslumbrante. Vestido verde escuro decotado, a saia do mesmo solta em roda no andar flutuante dos seus passos na sua direcção...

O sorriso triunfante com que o conquistara sentada do outro lado do vidro quando a viu no café, primeira vez que a vira sorrir para si.

Sentia-o vibrar, estaria com frio? nervoso? ansioso? sentia-o distante nos seus braços quando o beijou suave mas carinhosa.
Não se demorou, era importante manter a mente concentrada no plano, era importante se queria ter sucesso na missão...

- estás melhor dos braços? - virou-se e puxou-o atrás de si pela mão

- não é bem os braços, é nos Tríceps e nos..

- é no teu corpo, faço-te uma massagem queres?

- ah... deitado adormeço...

- não dumb dumb, sentaste na cadeira...

sentou-o, tinha-o no centro da sua teia... no X da sua armadilha

Deu-lhe um beijo na nuca, depois no rosto, levantou-se e fitou-o pelo espelho.

Sorriu.

deslizou as mãos pelos ombros, abriu os dedos e pressionou, devagar e em círculos.

com convicção, com intensidade deslizou dos ombros para os braços, devagar, primeiro o esquerdo depois o outro.

deixou-o desligar, distanciar a mente do corpo, baixar a guarda...

ajoelhou-se sem parar de massajar o braço atrás da cadeira.

Sentia o coração bater intenso, nervoso na ânsia do momento crucial do plano, do beijo ali no meio do aperto da multidão um ano antes quando denunciara os desejos emocionais da sua pessoa à pessoa dele.

Num gesto rápido e sem hesitação segurou-lhe o pulso e encaixou a abertura felpuda da algema num braço e depois no outro com a corrente presa na cadeira.

Primeira parte do plano - prende-lo à cadeira... Checked

- hhaam?? o que estás a fazer? - agitou os braços surpreendido

- já vais ver

debruçou-se e deu-lhe um beijo no rosto.

Viu-a sair do quarto, debateu-se na cadeira sem sucesso, ouviu as chaves rodarem na porta da rua trancando-a.

Reconheceu ao torcer o pescoço para visualizar como estava preso as algemas felpudas cor de rosa que lhe dera pelo Carnaval quando ela se mascarara de agente da autoridade, arrependeu-se no instante da qualidade e resistência do material, arrependeu-se do felpudo, uma corrente de ferro era de macho, agora felpudo e... cor de rosa...

viu-a entrar no quarto.
Puxou-o pelas costas da cadeira para o meio deste.
Sorria.

- isto é alguma piada que não estou a perceber??

- não é piada - mordeu o lábio, aproximou-se e levou a mão ao rosto dele, levou aos dele os seus lábios... devagar... sem pressa.

Tentou desviar o rosto sem sucesso. Estava confuso e ligeiramente preocupado.
via-a deambular pelo quarto sem lhe prestar muita atenção, viu-a prender o cabelo, parar o gesto a meio enquanto olhava para si, viu-a dobrar duas camisolas, fazer a cama...

- o que estás a fazer...

- neste momento a arrumar o quarto, já te dou atenção...

- não quero atenção, quero é que me tires esta porcaria...

- não queres a minha atenção? -colocou as mãos nas ancas, avançou até ficar atrás da cadeira- e que eu saiba não lhes chamavas porcaria quando querias prender-me com elas e ter sexo comigo...

Deu-lhe um caldo - DiNozzo!!

- atão?!? eh pá... tira-me isto, se me queres bater ... bate logo, se me queres tirar um rim... despacha-te, mas não vim aqui para estar algemado à cadeira no meio do teu quarto...

-vieste aqui para o quê então? é preciso tapar-te a boca? não sabes estar calado e saborear a minha companhia???

- vim aqui para conversarmos... e ...

enfiou-lhe uma meia na boca.

- não te preocupes, está limpa... acho eu....- virou-lhe costas

retomou as arrumações, primeiro as camisolas dobradas sobre a cama, depois as botas ao canto, de tempos a tempos dava-lhe um beijo no rosto, uma festa no cabelo, perguntava-lhe qualquer coisa e ria-se do silêncio na resposta

- levo isso como um sim... bem, acho que já estás no ponto... vou-te tirar a meia e tu... caladinho

retirou-lhe a meia, ele não sorria

- tou farto desta mer...

suspirou, acenou-lhe negativamente em desapontamento

- coopera... não faças isto mais difícil do que pode ser... vou tentar mais uma vez... tu consegues estar calado... vais ver que consegues

retirou a meia, sorriu.

- vês? não custa assim tanto

deu dois passos criando distância entre os dois. fitou-o.

Segunda parte do plano - Doma-lo e tê-lo calado à sua mercê... Checked

Via-a diante de si... esmagadora.

Lia a sua imagem dos pés descalços às sobrancelhas, dos ombros à cintura, do decote ao sorriso que encontrava no rosto dela.
via-lhe qualquer coisa no olhar, nos olhos castanhos que o fitavam em silêncio.

não sabia ler o que era, sabia ler todos os sinais, quando estava triste ou prestes a explodir, quando estava presente ou num outro sitio qualquer, era pela primeira vez... um enigma.

Já perdera o desconforto de estar preso, perdera o desconforto da meia ser limpa ou usada, não havia nada para além da imagem dela diante de si.

deu-lhe vontade de não respirar para focar melhor o momento, parar o momento, ficar ali... preso... não pelas algemas, não tinha forças para contrariar a sua imagem e esboçar qualquer gesto que não fosse respirar o que apesar de mecânico se tornava difícil -e atrapalhava-se em certos momentos quando se perdia a olhar para as custuras do vestido na curva dos ombros para o peito...

Viu um ligeiro curvar dos lábios...
um sorriso desenhar-se no rosto
Seguiu-lhe as mãos com o olhar enquanto os joelhos se dobravam ligeiramente
Percorreu as pernas até não haver mais tecido e somente pele... viu as mãos dela subirem o tecido... devagar, sem pressas ou tempo de chegada, sem prazo para entregar o trabalho
deslizavam pela carne e queria ser ele a deslizar... e subir... subir e tocar no seu corpo até o Lost fazer sentido, saber falar alemão como se fosse a sua língua materna... ler o senhor dos anéis em 15 minutos, rever o golo do Alenichev contra o Monaco como se fosse a primeira vez ao vivo...
e ela... a língua a percorrer ligeiramente o lábio superior...
era demais, era impossível manter a coordenação motora

expira inspira?inspira expira? caramba, como é que se respira???

Os polegares chegados ao seu destino, colocados entre o elástico e a pele, puxando para baixo, soltando do corpo o tecido preto até este se perder no chão...

Sentou-se ao colo dele, uma perna para cada lado, face a face.

Ajeitou a posição do corpo, colocou as mãos no peito dele, deslizou-as até aos ombros e continuou o gesto até rodear-lhe o pescoço com os braços

Aproximou-se do rosto, roçou-lhe o nariz com o seu

- ah... isto trás-nos memórias...

abriu a boca e encostou-lhe nos dele os lábios sem os molhar, apenas o toque na pele.

Soltou a ponta da língua e percorreu-lhe primeiro em cima, depois em baixo o contorno dos lábios como se os desenhasse devagar.

Sentiu a mão dela descer-lhe pelo peito enquanto a esquerda se fixava na parte detrás do seu pescoço, sentia-a invadir-lhe a boca, sentia-a sorrir.

Sentiu-a abrir-lhe os jeans com a mão direita

Sentiu-a afastar-se da sua boca

Sentiu-se deslizar enquanto as ancas dela o encaixavam

Fitou-o

Beijou-o e afastou-se para o fitar novamente

Soltou-o das suas mãos e levou-as ao cabelo, puxou o elástico, espalhou o cabelo com os dedos

Beijo, e outro... e outro num ímpeto rápido, o cabelo ao redor de ambos como se fossem apenas o espaço dentro deste, o calor da respiração, o sabor da boca...

não havia música ou palavras, não havia nada para alem dela em seu redor
não conhecia nada para além do corpo dela ou da vontade de se libertar para a consumir, a segurar com as mãos e garantir que era sua e não ia a lado nenhum

Sem cessar o gesto, sem quebrar o ritmo lambeu-lhe a boca, o rosto, aproximou-se do ouvido, sem perder momento ou fluidez
encostou-se, colou-se o mais que pode pressionando-se sobre o corpo, beijou-o

sussurrou-lhe

-és meu...







nada disse em resposta

mas....

Incondicionalmente... era.

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