Lutava em silencio com a colher.
Deslizava-a de dedo para dedo sobre a chávena, mexia e remexia e olhava-o sorrateiramente.
Aguardava que não olhasse para observar detalhes e tentar perceber que forma estava a tomar, como seria que a via
- não te mexas! podes beber o chá, mas mantêm ao menos os ombros quietos...
-mas eu quero ver!
- vês no fim... chata
levou a chávena aos lábios, e fitou-o.
fitou-o de baixo para cima sem desviar o olhar, pensou para si que era urgente olhar para outra coisa, mas queria saber... queria encontrar os olhos que a viam, que a liam e a desenhavam, queria encontra-lo.
viu-o levantar e parar o movimento nos seus olhos, fixou-a
ficaram estáticos e em silêncio, não em desconforto mas em sintonia... diluindo-se
- sim... - disse rompendo o silêncio ao sentir-se corar
- não consigo acabar o desenho... desculpa...
- não estejas sempre a pedir-me desculpa... vou acabar por te agredir de tantas vezes que me pedes desculpa... mas porquê que não o consegues acabar? fiz alguma coisa?
- não... não é isso... apenas falta qualquer coisa... qualquer coisa que não estou a conseguir ler para por no desenho...
olho para ti, olho para o desenho e... ainda não és tu.
- o quê? estou sentada há trinta minutos e tu não me estás a desenhar? estás a desenhar quem? outra?
- não... óbvio que não, eu receio é não conseguir desenhar... o teu sorriso, não é fácil...
- mas eu não estou a sorrir... tu não me disseste que era para sorrir, tenho que sorrir? porquê que me estás a desenhar a sorrir?
- porque tu abres o sorriso de dentro para fora...
como se partisse do fundo de ti abrindo-te o rosto feliz...
como se deslizasses dos ombros para o chão um manto que te cobrisse o corpo e te revelasse deslumbrante
como se fazer-te sorrir fosse uma vitória minha sobre a distância desta mesa entre nós os dois e ao desenhá-lo...
ele fosse meu...
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