sexta-feira, 26 de novembro de 2010

nº62, r/c

Com um marcador de cor diferente gatafunho numa asa um símbolo qualquer que inventei do meu esquadrão de aviões de papel.

Levanto-me e contemplo o poderio bélico que dobrei em 35 aviões de papel espalhados pelo chão do meu quarto.

Sinceramente não me recordo de ter sido chato brincar sozinho quando não havia-companhia.
Cresci com a minha irmã, estar só num mundo grande são fragmentos que tenho pelo silencio da noite,quando eu no meu quarto em casa velha de tecto alto adiava o meu adormecer, lia livro atrás de livro até ela desligar na cozinha a luz branca que cúmplice me acompanhava.

Enquanto a minha Avó não ia dormir... eu fazia-lhe companhia.

E naquela noite que desenhei as paredes do quarto a carvão...

Proeza que repeti uns dez anos depois, devidamente não autorizado, aproveitei a dica de uma racha no estuque da parede e sublinhei o que via ser um cabelo, desenhei-lhe depois o rosto, desenhei-lhe o meu instante.

Mas agora, tempo já distante.
Agora durmo eu no teu quarto, onde noite após noite de deitei, puxando-te pelas pernas quando estas já não queriam para a cama subir, te tapei e aguardei...

aguardei que estivesse a dormir.

Como antes, vinte anos estive quieto no meu quarto e escutava o que respiravas com atenção, atento e no sobressalto de quem dorme com um pé no chão e outro entre os lençóis durante noites e noites até o cinza azulado de um novo dia preencher o espaço do meu quarto e eu poder finalmente adormecer.

Mas agora, hoje no tempo real do presente, sou eu que durmo onde era o teu quarto, ao centro de paredes nuas dos meus desenhos mas cheias do silêncio em que continuo a te escutar, um pé no chão e outro na cama...
Vício meu como quem dorme sempre do lado esquerdo de um enorme vazio sobre os lençóis.



Nota - Hoje ou amanhã sem falta venho aqui javardar o nível.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A ficar velho

Eu gostava de gostar de ti mas estou a ficar velho.

Já não tenho a mesma paciência.

Tu podes-me puxar pelo Brell e dizer-me que sou velho sem ser adulto, mas eu sinto-me tão gasto... não digo impaciente, apenas... parado.

Qualquer coisa, muita coisa, a vida passou em parte por mim... não... não é um momento de desilusão.

Não foi totalmente como queria, eu aceite e fiquei tranquilo, bem disposto mas cansado.
Não atraquei onde queria, fiquei a solo sem rumo.

Sinceramente por mim tudo bem, aceito meio resignado, meio sabendo que nada mais há a fazer...

a não ser...

Ligar-te quando é inconveniente com o meu sotaque chulo/pintas espanhol e atirar-te três ou quatro frases à António Banderas.

Apaixonar-me pela tua música favorita e cantar-la a noite toda...

(...I'm gonna dance with somebody!!!)

Vou-te ver avançar para mim fodida com a vida, comigo, com o tempo e o refogado que te caiu mal ao almoço...
Mal disposta e com ressentimentos.

Vou ficar quieto quando me espetas um carinho de mão aberta com força da bochecha por me andar a armar em menina, me abraças carinhosa porque gostas de mim e eu sou patife e não sabes como resistir ao meu arroz de cabidela...

Dizes-me para te fazer rir como se eu fosse o teu palhacinho particular, eu que quero apenas ficar quieto e calado a analisar o degradê das folhas caídas sobre a relva.

Apertar-me dentro do casaco, ficar retido num pensamento...

Não falar para ti, entranhar para mim o instante num daqueles momentos que ficam épicos a preto e branco.
Golas do casaco preto para cima, barba por fazer que tu chamas sexy e eu chamo preguiça, atiro um olhar vago e ponho um granulado na película para puxar ao vintage, à distância de um cigarro, dois filmes e um acidente de automóvel de me tornar um Ícone do cinema...

Logo eu que sou mais Steve ( The king of cool ) Mcqueen...

Não preciso de ver o sol à frente, orientando o nosso caminho, digo-te que no hemisfério sul à noite o céu me pareceu maior...

Mas não tão interessante...

Diria que era mais estrelado... mais brilhante mas talvez fosse sugestão pela voltagem ser diferente.

Tu paras-me e esbugalhas os olhos - mas de que merda é que tu estás a falar?
Eu respondo-te que no Brasil a electricidade são 127v ou agora 220v... mas na rua a luz é tão fraquinha...
Na Argentina dão-lhe sempre forte nos 220v, mas em Buenos Aires na zona densamente urbana onde estive era complicado ver o céu, fui a Porto Madero apenas de dia com a Florência beber Mate a olhar para o Rio de La plata...
Foi um acaso ter-mos escolhido aquele banco. Sentamos-nos e reparamos numa mala de senhora esquecida, aguardamos e como ninguém a reclamou abrimos para procurar algum contacto...
Quis o destino que a dona da mala era de Montevideu...

... e não tinha um único numero de telefone.

Coisa de vinte minutos depois, a cerca de 50 metros entre a multidão, sem saber o porquê de ter olhado para aquela direcção em particular, reconheço de uma foto gasta e apagada que encontrei na carteira extraviada os traços Uruguaios da dona da mala, salto, corro e pergunto-lhe no meu castelhano chulo/pin... no meu castelhano normal se está à procura de alguma coisa...

Ela limpa as lágrimas do rosto e devolve-me um sorriso, a "flor" entrega-lhe a mala...
Ela pergunta-me de onde sou, eu respondo PORTUCALE!!
Ela diz-me que vê-se que não sou dali para ter um gesto tão honesto...

O metro e meio de Flor deixa cair o queixo numa indignação que lhe come as palavras até à estarmos de novo sós os dois...

Será que é desta que me arrancas a minha história num bordel em Buenos Aires?

(volto a repetir que fui lá parar dentro por engano...)


É pelo passar do tempo assim que me sinto cansado.
Ando pela rua acorrentado numa pausa temporal que nunca mais vem.

"estou velho e acabado... estou prestes a morrer..."

É de uma peça em que actuei uns 12 anos atrás, penso que era o Tejo que dizia esta fala, eu era o vendedor de escravos... e que negra lindíssima eu vendia, hoje em dia era coisa para 15 euros...
Se era como mulher um 8, aquilo no porto era um 10 de caras!...

Já não me lembro se foi antes ou depois da peça, é indiferente de certo modo, mas um gajo que entrava na peça também, eu nem gostava muito dele, mas "acidentalmente" deu um encontrão no Gil, a mascote da Expo, quer dizer, não era o Gil, era um caramelo não muito inteligente dentro de um fato insuflável...

Não muito inteligente porque reagiu mal ao encontrão acidental e deu um banano nesse meu colega nas artes dramáticas...

Eu numa de espírito de equipa atiro-me ao Gil numa placagem épica e mando o gajo abaixo...
Começamos a encher no Gil mais pela piada da cena em si que para aleijar...
Isto foi na antiga FIL, ali ao pé da Rua da Junqueira, num evento que envolvia ziliões de escolas e digamos que estava à nossa volta coisa de 2000 pessoas...

O Gil no chão, a enfardar na boca.
Subo para uma mesa, contemplo o mundo ao meu redor... glorioso...

Salto...

... de cotovelo e agora que revejo a cena gostava de ter gritado qualquer coisa épica como:

- Parque Expo a freguesia Já!!
-Hoje há Pipis!
- A equação diferencial parcial de Laplace Rula!!!

mas fiquei-me por um mais práctico - Agarra o gajo!!!!

Nos intervalos da chuva... estranho-me assim melancólico.

Deve ser da música, ou de me apetecer deslizar contigo.

Até ter a certeza que tu te lembras... e eu não me vou esquecer.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Incondicional



Um homem deverá ser sempre incondicionalmente leal e fiel aos Filhos, ao Cão e ao Clube de Futebol.






Nota - Quando digo homem refiro-me ao ser masculino, mulher é todo um mundo complexo muito diferente em valores, princípios, noção de parqueamento automóvel ou apreciação cinematográfica.
Estou apenas a dizer que é diferente, nada mais.

(Não quer dizer que não pense algo mais sobre o assunto.. mas era fugir ao cerne da questão.)