segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Maniac

Os olhos abriram, voluntários, já sem sono.
Acordo, espreguiço, suspiro.
Acabei de sonhar que comia uma tigela cheia de cacau à colher, acordei enjoado da overdose.
Os olhos mais do que abrem, esbugalham assustados, o sono não me limpou a cabeça.
A música ainda está a tocar, ainda a repetir frenética no arejado espaço entre as minhas orelhas, desde que a apanhei na rádio, dois dias antes, no sábado de manhã.
Apresso o duche, empurro gargalo abaixo o pequeno almoço, sem vontade, embuchado de tanto cacau.
Regresso ao quarto, sento-me na cama com as meias enroladas em bola, como sempre na gaveta respectiva as guardei.
Calço a meia esquerda- foi a que calhou, não é um ritual começar pelo pé canhoto.
O tecido sobe pelo tornozelo, aconchegando-se, perfeito. Promessa de um dia bom. Melhor meia que alguma vez calcei.
Calço a direita, não sobe, não é par.
A música recomeça na minha cabeça.
Sentado na cama, desconforto do enjoo do cacau que abusei.
De nada me adianta vasculhar pelo par da meia, desenrolar todas as meias emparelhadas na gaveta numa busca, cujas probabilidades me deixam certo de ser em vão.
Desenrolo outro par da bola, coincidem, vão remediar não saciando a promessa em que por um pé sonhei...
Calço um téni, depois o outro, a porta abre para eu sair.

O elevador desce, a porta da rua bate atrás de mim.
Entro no escritório, suspiro, ainda enjoado, ainda com a música a repetir.
O telemóvel ficou em casa, as chaves da mesma, ficaram a fazer-lhe companhia.

Arregaço a manga, espreito a medo.
Ainda não são dez horas.

Ajeito os fones, rendo-me.
Deixo acontecer.