sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Oh... Cherrie....

Queria-se despedir dela bem. Não teatralmente falando, frases shakesperianas, compridas e sonantes, musicais e de punho cerrado para o ar, apenas o queria fazer a de algum modo roubar-lhe um sorriso, um gesto qualquer doce ou suave para si, e queria estar atento para reter esse instante com força .
talvez fosse essa a sua ultima oportunidade junto dela.

sorriu sarcástico no pensamento do "talvez", como se houvesse para ambos outra qualquer solução.

pensava e repensava, pensava outra vez para ficar bem mexido e complicado, parava de pensar e divagava novamente no pensamento do que queria dizer.

só mais uma vez...

não sabia se queria mais uma hipótese com ela, se queria ficar sentado na mesa do costume toda a tarde, naquele café de todos os dias, cupccino habitual, a companhia dela como antes.
ocurreu-lhe um pensamento diferente, devia ter bebido mais cerveja, uma sequer... talvez embriagado pela cevada, dormente, anestesia salvadora da cerveja o ajudasse a despachar o assunto sem receios, sem rodeios, sem o medo do último instante se perder.
já tinha subido a porcaria da rua tantas vezes...mais do que ela a tinha descido... ah mulher caprichosa, donzela altiva no cimo da tua torre...
estranhou o prazer que sentia em cada passo, sabia que era a ultima vez que ela era o seu destino, que pé ante pé subia para a ver, e inspirava o gesto até se desfazer doce na boca, descolar perfumado do seu nariz...
era a ultima vez... mas com força!

ao fim de tão tortuoso caminho - caramba, também não era assim tão longe quanto isso, eis que ela surge, como sempre...
ah... ansiada imagem, o cabelo negro sobre os ombros, desta vez o olhar atento às linhas do livro que lia concentrada, pernas cruzadas, apoiadas numa outra cadeira, o rio lento e preguiçoso, talvez da hora, fugia para o mar atrás da sua imagem...
respirou devagar e avançou, sentou-se sem palavras e sem estas ficou.

- estou a acabar o capitulo... espera um pouco...

esperou, aguardou.
manteve-se atento ao ondular da água à sua frente, ao pairar rodopiante, em queda e flutuante das gaivotas no ar.
ouviu o som tão particular e distinto de quando um livro se fecha ao seu lado.
sentiu-a nos seus lábios sem aviso, sentiu-o o corpo dela sentar-se em cima do seu, abrindo-se, puxando-o para si.
sentiu o cheiro dela seguir o sabor na sua boca que o exasperava, a mão dela puxa-lo pelo pescoço para dentro de si, como se disse dependesse a força dos seus beijos, sentia-a sorrir na sua boca, sentia-se a perder todo e qualquer texto que tivesse organizado na viagem até ali...

não a afastou... alimentou o beijo.
sentiu-lhe o corpo com as mãos, sentiu as dela frias sobre a sua roupa contra o seu peito...

- porquê que te atrasas sempre...
- mas eu cheguei antes da hora combinada...
- precisava de ti antes...

levantou-se, puxou-o pela mão atrás de si
esbugalhou os olhos no desenho do contorno do corpo dela, as ancas, o reflexo preto das calças, e ela... sabia que tinha qualquer coisa importante para falar com ela... qualquer coisa importantíssima como as coisas importantes são.
parou diante de si e virou-se.
segurou-lhe o rosto com ambas as mãos, sorria... ah e começava a doer-lhe vê-la sorrir...

-porquê que estás assim tão sério? o que se passa?

perguntou-lhe empurrando para longe o sorriso
queria-lhe dizer, queria falar com ela de muita coisa, queria saber bem o que dizer de um modo poético, de um modo que vincasse nela o que sentia, para que não se esquecesse de si, daqui a uns anos a reencontrasse numa praia - para ser romântico, e lhe reconhecesse a ternura que tanto lhe custava agora magoar, para que quando de si falasse fosse em desejo, fosse na ânsia de o ter de novo, fosse somente uma memória que tivesse cativa com ternura, mas...

deu-lhe um beijo, desarmou-a.
deixou-a confusa, olhava para ela na certeza do que teria que fazer, beijava-a na vontade do que queria que fosse.

abraçou-a e levou-a para longe do rio.

acordou.

sentiu o corpo dela sobre o seu.
sentia o calor dela nua, o respirar lento e tranquilo de quem dorme profundo e em paz.
beijou-lhe por instinto a nuca, cheirou-lhe por reflexo o cabelo, o cheiro quente e hipnotizante que adorava reter em seu redor.

passaram-se horas até que ela acordasse, minutos que sorveu sedento, que reteve na angustia de irem de algum modo ser os últimos...


Desligou a aparelhagem que à muito estava ligada sem que dela música tocasse.
há muito que se mantinha flutuante numa indecisão de ir ou ficar diante da porta.

ás vezes nada mais há a fazer...
e fazer o quê outra vez? ficar quieto? era a alternativa que lhe restava e agarrou-a.
saiu de casa, avançou fechado em si mesmo.


ah... ansiada imagem(receada também), o cabelo negro sobre os ombros, desta vez o olhar atento às linhas do livro que lia concentrada, pernas cruzadas, apoiadas numa outra cadeira, o rio lento e preguiçoso, talvez da hora, fugia para o mar atrás da sua imagem...
respirou devagar e avançou, sentou-se sem palavras e sem estas ficou.
olhou para ela, tão perto de si... ali do seu lado.
sentia-se pressionado por si mesmo, pela vontade de encontrar aquela frase perfeita que lhe roubasse a atenção dela do livro que lia, para a fazer sorrir e de alguma forma... puxa-la para o seu mundo...

sorriu, sorriu no pensamento - deves-te peidar como um coelhinho, é uma frase com piada entre amigos mas talvez uma má opção quando platónicos romances se transformam em respostas reais como um sorriso, um gesto de apego... ou numa ordem de restrição que era o mais provável ante tal subtil - e romântica - abordagem.
era estúpido não querer perder a imagem perfeita que imaginava, o vazio onde podia colocar tudo o que queria, e não deixar que a realidade daquele ser estranho concentrado nas letras e linhas de o bosque dos mítacos... caramba... era demasiado irónico para não lhe dar vómitos.

perdido no vai e vêm dos seus receios, deu por si sozinho ao pé do rio.
tinha-se ido embora.

continuava tudo na mesma... os mesmos espaços em branco, as mesmas incógnitas, o mesmo nome que dela não sabia... e queria tanto o saber...
queria vê-la sorrir, queria ouvir a sua voz para dela ter uma ideia, queria esbracejava as palavras em gestos, se era contida no gesticular, se
queria saborear esse instante que mesmo em vão... era seu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vale a pena algumas noites em que não consegues desligar :)
Gosto desta de entre muitas das outras personalidades que tens.
Esta lindo todo o descrever das emoções e da acção.. lindo!

Anônimo disse...

Apesar de ter sido outra personalidade tua a acabar o texto, ou talvez com outra música de fundo diferente da primeira.. Gosto.
É dos textos mais flutuantes e bonitos que encontro aqui, com pequenas expressões chave que me conseguem fazer ver e sentir com realidade as fantasias que escreves :)