terça-feira, 24 de maio de 2011

Diálogo

Pensou em organizar as coisas por partes, seguir o rasto dos pensamentos num vector lógico e bem organizado.
As folhas arrumadas sobre a mesa, escrever tudo bonitinho com uma letra corrida e trabalhada como quem aprendeu a escrever antes de 1950.

Olhou para os gatafunhos que já escrevera até então e suspirou.

Retomou a escrita, procurando um impulso natural e não um forçado artificial nas primeiras frases.
Felicitou-se pelo sucesso da contenda e desconcentrou-se ao sentir o telemóvel vibrar sobre a mesa.

Pensou para si- lês depois, estavas a ir bem...

Encostou a caneta sobre a folha e o telemóvel vibrou outra vez.

- Mas que porra...

Pegou no telemóvel e polegarizou irritado o mesmo até ás mensagens.

- "Foda-se!"

Esbugalhou os olhos, e avançou para a segunda mensagem:

- "Foda-se para ti porra!"

Respondeu confuso, curto mas sincero, um singelo "?" que não sabia mais o que escrever.

Poisou o telemóvel diante de si sobre a mesa. Fitou-o aguardando uma resposta que não tardou a chegar.

- "Fazes-me ser uma besta, fazes-me odiar-te profundamente."

Mas... não... mas não fazia sentido nenhum, tinh...

Vibrou-lhe o telemóvel nas mãos, recebera outra mensagem.

- " Sabes porquê? queres saber ao menos porquê? interessa-te? tem-te algum afecto?"

Bem, era simpático saber o porquê...
Escreveu em resposta - Explica-me - mas antes que tivesse tempo de enviar a mensagem... tinha outra para ler.

- " Eu não te dou o direito de me falares bem comigo, como se fosses meu amigo ou mais para além disso como já foste, me falares no teu jeito cúmplice de quem sabe como mexer comigo... e tu sabes disso!"

Mas que merda? isto não lhe fazia o menor sentido, um reencontro fortuito, uma hora ou duas separados pela mesa de um café não...

Outra mensagem...

-" É que para ti é fácil, é fácil dizeres-me que está tudo bem, que tiveste saudades de estar comigo ou daquelas merdas que me dizes como se fosses um gajo simpático sabendo tu que me fodes quando me fazes sentir que sou a tua pessoa favorita no mundo inteiro só quando me perguntas o que almocei nesse dia e ficas a ouvir o que digo e nada mais te é importante..."

E outra...

- " E depois vais-me dizer que não faz sentido após todo este tempo, e eu é que fico mal, eu é que fico destroçada"

Sentiu que tinha que lhe responder qualquer coisa, mas o quê? o que dizer perante isto? tão sem estar à espera... e... e como é que ela escrevia tanta coisa tão depressa??????
Talvez lhe fosse melhor pensar um pouco antes e dar a resposta certa... aguardar uns minutos...

Pressionou com o polegar outra vez até ás mensagens...

- " Tu sabes como é importante que me oiças e fales assim comigo, que te sou impaciente"

Realmente, impaciente era imagem de marca dela, demasiadas camisas foram sacrificadas pela sua incapacidade de aguardar que se abrissem os botões... outra mensagem...

- " Desculpa, precisava de tirar o que te disse do sistema..."

Menos mau, estava a ser terapêutico, estava a ajudar a exorcizar ... oh porra, nem quinze segundos de intervalo?

- " Desculpa."

20 segundos depois

- " Desmarcaram-me uma coisa hoje à noite, o que dizes de te cobrar o jantar que me deves desde 2007 com uma pizza em carcavelos?"

Esta tinha que responder, era loucura pensar ou colocar a hipótese de o que quer que fosse depois de...

Levou uma mão à testa quando o telemóvel lhe vibrava na outra.

- " Vou correr para a expo, não vou levar o telemóvel e fica para as 20h30 para tomar um duche, até logo!"

Bem, parece que acabar o que começara a escrever era para esquecer e tinha um jantar...

Suspirou exasperado, deixou que acabasse de vibrar e fitou a luz intermitente de aviso no telemóvel, rezou, implorou com ganas e empenho que fosse uma porcaria qualquer da operadora...

- " Porra, tu consegues-me dar a volta com uma limpeza quando conversamos... até logo! e... ainda te odeio"

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