Deslizo os dedos pela gola da camisa à volta do pescoço, ajeito a gravata, o cabelo.
Contemplo o meu reflexo no vidro da porta enquanto a espero no hall de sua casa.
Não me recordo da última vez que me vesti de fato.
Também não sei dizer há quanto tempo não lhe ouvia a voz, não a via.
Demasiados anos passaram desde então.
E eu...
Eu ainda não acredito que estou aqui, à espera dela.
Oiço-a descer a escada, viro-me para a ver chegar.
Sinto uma ligeira ansiedade a crescer, um pouco de nervosismo que estranho em mim.
Vejo-lhe um pé, subo a vista pelo tornozelo para a perna e depois vejo o outro pé, subo por este também deparando-me com a continuidade exposta da sua perna pela entreaberta ( e muito agradável ) racha do seu vestido ...
Saboreio a imagem, o contraste do preto do tecido com a pele, subo para as ancas... o peito e...
E...
...morena?
Ela abre o rosto num sorriso.
Eu continuo em choque.
Ela aproveita-se do meu momento de desnorte, à deriva na sua imagem tão negra, tão diferente da mulher que anos atrás...
Ela rodeia-me o pescoço com os braços, beija-me delicada nos lábios sem aprofundar o assunto e aterra o corpo no meu, ficando.
Não sei o que lhe dizer.
Perco-me na sua presença com gosto.
O seu cheiro... o seu cheiro tão familiar.
Sinto que cheguei quando a abraço e o tempo ficou parado - respeitoso e simpático - à espera de nós, com licença e ordem para demorar.
Inspiro-a uma, duas, perco a conta das vezes.
Ela afasta-se, desliza do abraço as mãos para o meu peito.
- Olá André...
E eu quero... não, eu derreto-me... rendo-me quando oiço aquela voz... tão antiga e tão minha, tão parte de mim.
- Quem és tu? - respondo, desfiando nos dedos uma tira do seu cabelo.
- Morgana...
E desfaz-me com a subtileza e graciosidade da piada.
Empurra-me para a porta, dá-me a chave do seu carro para as mãos.
Pergunto-lhe se não podemos levar o meu, ela diz-me que não, que o dela é parte do plano.
Eu pergunto-lhe qual é o plano sendo a resposta dela apenas e somente um enigmático sorriso.
Flutuamos pelo piso molhado, não sei para onde vamos.
Sigo-lhe as indicações intranquilo e desconfiado até estacionar.
Aconchego-a nos ombros dentro do casaco.
Ela dá-me o braço com o seu.
Descemos para os Restauradores em silêncio, pouco antes do antigo cinema Éden, atravessamos para o lado do Condes.
- Como está o teu Italiano André?
- Confuso... porquê?
- E o teu Espanhol?
- Patético, mas porquê?
- E o Francês?
- Esse vai bem e recomenda-se, mas afinal porquê qu...
- Porque vais precisar deles todos e eu quero fazer boa figura.
Óbvio que não me explicou porquê que eu ia precisar de todos nem para onde íamos, mandou-me ficar caladinho e eu calado fiquei.
Contornamos o Condes, descemos para o Ateneu., seguimos para a direita
Ela deixa cair a cabeça no meu ombro, pergunta-me:
- Mas que raio de perfume é que tu tens? essa porcaria cheira tão bem...
- António...
- António?
- António Banderas...
Ela pára, fazendo-me parar. Coloca-se diante de mim e pergunta- Estás a falar a sério?
Ao qual eu respondo - Estou, comprei só para fazer esta piada quando me perguntassem.
Vejo-a atirar a cabeça para trás, rindo,respirando, voltando a rir, recuperar a respiração - Diz isso outra vez... com essa voz à Antonio Banderas!!!
- Solo para ti cariño...
E eu vitorioso, triunfante ao vê-la rir.
- Caramba mulher, pareces tu... mas não és tu assim sem... sem o teu loiro..
- Eu sei...aproveitas e... olha, tens até ao final da noite para seduzir uma mulher parecida, mas diferente.
- É esse o teu plano?
- Oh André! caramba... olha que ao contrário dessa camisa... ingenuidade não te fica bem.
Eu fixo-me no elogio, parece que afinal a camisa me fica bem... ela puxa-me para si, não pelo braço, abraçando-me em redor da cintura.
E eu abraço-a também.
- Para onde me levas mulher?
- Para a Casa do Alentejo, queres melhor sitio para entrar triunfante contigo nos meus braços?
- Assim de repente não...
- Eu sei um ou dois, óbvio, uma mulher pensa mais nestas coisas... chegámos!
(Casa do Alentejo)
Subimos nem meia dúzia de degraus quando a chamam pelo nome.
Sou apresentado, Ela sorri.
Subimos mais uns degraus e somos abordados de novo...
E outra vez, e outros degraus e mais gente e gente que faz questão de a cumprimentar.
Finalmente, chegados à fonte e ela foge-me da mão para abraçar quem segundos depois me apresentou pelo nome de Helena, de frankfurt.
Ela traduz-me o prazer da Helena em finalmente me conhecer, eu respondo sem tradução com um sorriso - Danke! e seguimos Casa do Alentejo dentro.
- Danke?? queres-me contar alguma novidade!!
- Não... a alternativa era ter respondido Milch Kaffee, mas tirando pedir o equivalente a uma meia de leite em Alemão não sei muito mais
( Fonte na Casa do Alentejo)
Sinto-a tocar-me no braço a meio do jantar, sinto-a aproximar-se para partilhar uma confidência.
- Outubro de 2007, no meu dia de anos.
- O que tem?
- Foi a última vez que nos vimos...
Ela afasta-se, retomando a conversa que interrompera por uns segundos, deixando-me no peso do tempo que não me ocorrera contar...
Tanto tempo? tantos anos assim?
E o dia... todas a recordações que subitamente me invadem pela sua da precisão na data.
Consigo encontrar na memória o detalhe de como ela tinha o cabelo preso nesse dia, como estava vestida, o detalhe de como me sujou a camisa com o bolo de chocolate do seu aniversário... ou como sujou o gato com o bolo também... e as calças da mãe...
e o candeeiro do quarto...
- O que foi André?
- Estava-te a ver as rugas... fiquei a pensar no que me disseste...
- Claro que ficaste, faz tudo parte do meu plano!
E eu tão perdido sem saber qual é o plano.
Foram anos de silêncio, de distância entre nós quebrados hoje pela sua chamada, pelo convite a que não consegui resistir- "André? Olá! sim, sou eu...Aterrei há coisa de 15 minutos, ainda estou meio trocada, mas...veste-te, fato e... em minha casa às 19h30? antes que digas que não tenho só uma coisa para te dizer...- Porquê que demoraste tanto tempo?"
E desligou...
Fora o suficiente.
A única frase, dita exactamente pela única pessoa que se a dissesse eu não tinha como oferecer resistência.
E ela sabia.
Se calhar, isso era parte do plano...
Antes da sobremesa vejo-a abrir a mala, retirar um envelope que me depositou nas minhas mãos.
- Vê
- É o teu maquiavélico plano por escrito?
- Vê...
Abro o envelope, a folha dobrada que deste retiro protege uma fotografia.
Fico estático, fico quieto, não me lembro se respirei ou quanto tempo passou até a ouvir perguntar se reconheço onde ela está na fotografia.
- Não me lembro do nome da rua...
Ela sorri triunfante quando percebe que sei exactamente onde é, onde está na imagem.
- Esta foi a rua ... foi aqui que me sentei quando te escrevi o postal que te enviei de Buenos Aires... neste banco onde tu estás... eu lembro-me que ... eu consigo ir ter a este banco, é só atravessar a Avenida 9 de Julio para o lado da Opera, vais para o lado direito do obelisco e...
- E sentei-me aqui uma hora André antes de te tirar esta fotografia, Acho que chorei metade do tempo.
- Quando?
- Há dois anos, mas passei nessa rua todos os dias nos últimos quatro anos, a minha casa era mais adiante perto da embaixada de frança...
(A Rua em questão, Buenos Aires)
- Perto do jardim?????
- Sim...
- Afinal estavas em Buenos Aires estes anos todos...
E ela deixa-me só com a sua imagem.
Guardo o envelope no meu casaco, sem lhe perguntar ou pedir autorização beijo-a no rosto.
Ela procura-me a mão debaixo da mesa e entrelaça os seus dedos nos meus.
Fecho o meu casaco, levanto as golas e aguardo que ela vença a distância da Helena até mim, o que faz num elegante saltitar de saltos meio em corrida, meio o chão tá molhado e vou cair e perder a postura de classe e glamour que passei a noite a criar...
- A confusão que me fazes morena...
- A confusão que me fazes com esses óculos André, com essa barba por fazer, com os ombros mais largos, com esses cabelos brancos... sim eu reparei, tens uns quantos ai atrás... a confusão que fazes quando falas em italiano... espera, isso não é confusão, é luxuria e pecado...
- Eu só te comentei o cabelo...
- Vamos para o carro? dá-me o braço ou achas que é fácil andar de saltos na calçada depois de chover?
Aninho-a no braço, apertando-a de tempos a tempos para confirmar que era real e não fruto de um devaneio meu.
- ah, tu... isto foi quando? tens memória de quando parti o salto da bota e me levaste ao colo para casa?
- Levei?
- Sim!! aos poucos, pegaste-me ao colo na porta da minha escola por piada quando me foste buscar e viste que não podia andar, descemos a Avenida de Roma até à praça de Alvalade e sentamos-nos nas arcadas o tempo que tu teimoso dizias que já era o suficiente para descansares...
- E depois subi a Avenida da Igreja sem parar até ao Mercado de Alvalade e dai até tua casa sem paragens não por causa do salto que estava partido mas porque tinhas torcido o pé quando o partiste e não conseguias andar? não, não me lembro, foi comigo?
- És tão estúpido... até me lembro que fizeste o caminho todo sem uma única piada sobre o meu peso!! eu estava parva contigo...
- Apesar do teu 1,72m de altura nunca foste pesada mulher, sempre graciosa e formosa...
- Não, agora estou mais gorda! pelo menos 2kg...
- Tens noção que torceste o pé 11 anos atrás?
- Ha-ha!!!! afinal tu lembras-te!!!
- E tu não engordaste 2kg, só se for... o peso da tinta do cabelo... deixa-me ver...
Com cuidado mas veloz, encaixo-a nos braços e elevo-a no ar.
Ela rodeia-me os ombros, ajeitando-se elegante e confortável.
- Se isto não fizer parte do teu plano... desculpa...
- Oh André... eu tenho-te onde quero!!
Avanço ligeiro e preparado para uma Avenida da Liberdade sempre a subir até ao parque onde deixei o carro mas ela, generosa e mais tarde, segundo o seu plano...ela ia precisar de mim com os braços em condições... ela diz-me para a deixar ir para o chão, que quer calcar Lisboa que tem saudades de um pé e depois o outro e o outro e o outro e eu ali... caminhando ao seu lado... como antes.
- Isto do meu cabelo André... - diz-me rompendo o silêncio, parando diante de mim.
- Vais-me explicar agora?
- É temporário, apeteceu-me ser hoje, contigo aqui e agora uma mulher diferente...
- Mas o tempo que passou... seria sempre diferente.
- Eu queria ser mais do que a imagem que pintaste, com que me eternizaste no quadro... sendo eu... é algo tão mais perfeito e eu precisava de ser humana aqui ao pé de ti primeiro, encontrar-te diante de mim não como se eu fosse a Bella Charis do quadro, mas sim a mulher que te inspirou, que te apaixonou e só quer... só que que a fites nos olhos... e seja a mim, que seja eu e não algo a preto e branco, quero ser EU aos teus olhos André...
- Mas...
- Mas... depois, óbvio que me podes pintar as vezes que quiseres, agora... primeiro... eu, depois a Musa deusa mulher que te inspira
(Fragmento do quadro Bella Charis)
Entramos no carro e pergunto-lhe o destino.
Oiço a resposta e pergunto novamente obtendo o mesmo resultado.
- Temos o depósito quase cheio e ainda são 23h... próxima paragem... Lagoa de Santo André!!!
Argumento que está com o fuso horário trocado, que a noção das distâncias na América do Sul de onde veio são proporcionais à que existe entre os sítios e que... e que qualquer coisa que não a demoveu.
(Lagoa de Santo André)
Arranco com o carro, noite fora.
Primeiro o Aqueduto depois a ponte...
- Estou há quatro anos sem passar aqui... mas cheira-me que vou chorar que nem uma Madalena é na volta quando tiver aquele impacto de chegada a Lisboa...
Oiço-a falar de Buenos Aires, da livraria que lhe falei, do Mate em Puerto Madero ao final da tarde que lhe recomendei ou do quão bom que era quando se sentava ao fim de semana na relva do jardim que lhe mostrara da minha viagem a ler...
(Jardim em Buenos Aires)
- E depois as gajas lá... são todas tão agressivas com os gajos! ah! e os gajos, sim, tinhas razão, é cada um com pinta de vocalista de banda punk-rock... e depois irrita que elas são tão mais giras do que eles...
- Olha que chatice...
- Olha André, tu vieste de lá todo apanhadinho pelas Argentinas mas isso é porque não as viste a refilar com os namorados como eu vi, e se namorasses com uma delas.. ah juro-te, quando ela começasse a disparar para ti alterada deixavas logo de lhe achar os castelhano adocicado...
- Não me estragues a fantasia...
Saímos da auto-estrada, pergunto-lhe qual é o plano dela na Lagoa já que sem aviso prévio... não trouxe naturalmente a chave da casa...
- Continuas, segues em frente sem virar para tua casa e só paras quando chegarmos ao mar
Estaciono e ela indica-me que feche o casaco mas deixe as luzes ligadas.
Manda-me abrir as janelas e deixar as portas abertas e sair do carro.
Vejo-a saltar para o banco do condutor, ajeita a posição do carro iluminando o estacionamento vazio onde nos encontramos.
Sobre nós um céu estrelado e limpo.
O mar como sempre presente e intenso mas não muito ruidoso o que lhe era estranho.
A lua e o seu reflexo na candura tranquila da Lagoa ao fundo.
- Estás pronto André?
Ela aproxima-se, abraça-me rodeando-me o pescoço.
Oiço o tilintar do piano nítido e o arranque dos violinos.
Ela desliza a mão esquerda pelas minhas costas parando um pouco abaixo do meu ombro.
Sinto a sua mão direita deslizar e ficar estendida ao longo do seu corpo.
- Dá-me a tua mão esquerda...
Eu dou-lhe a mão.
A música arranca...
- Vá, lidera, é suposto seres tu a liderar no tango...
- Mas tu... tu não sabes dançar...
Ela beija-me o rosto e retoma a posição, aguardando que me mova.
Avanço um dois passos, apanho o ritmo tão familiar da Desde el alma...
- Vá lá!!! dança comigo homem!
Fico sentido, fico picado e entro em sistema cruzado, arranco-lhe um giro e...
ela flutua em meu redor.
Aperto de novo o abraço, vou e volto para lhe sentir o corpo junto, colado ao meu.
Deslizo o meu braço das suas costas para pouco acima da cintura, abro o abraço e avanço com a perna do lado onde ela se encontra, reencontro-me com o seu corpo para a fazer de novo girar à minha volta, aproveito o embalo e o final da frase que conheço tão bem e faço-lhe subir a perna do ar em giro, enroscando-a na minha
E solto-a de mim e perco a conta dos passos que lhe marquei ou de quantas músicas foram até não haver música a tocar e ela muito tempo depois ainda gira, ria e sorria em meu redor.
Umas vezes num abraço bem fechado, n'outras num abraço mais aberto.
E o mar frio que nos salpicava o rosto...
E nos indicava um lento compasso quando já não havia música para dançar...
- Vamos, vamos embora que o meu plano ainda não acabou...
- E vamos para?
- Lisboa! para onde achas que íamos agora? à Isla Mágica em Espanha?
Sentia o coração veloz e intenso no peito, ainda a pedir-lhe o abraço e o peito colado ao meu já tínhamos uma hora da viagem de regresso atrás de nós.
- Tu tens noção que eu fui aprender a dançar só para isto André? só para vir contigo à Lagoa quando voltasse a Portugal e ... fazer-te a surpresa...
Subimos em direcção à ponte, ela abre os vidros quando arranco da portagem.
- Estou tão feliz André...
Sinto a sua mão poisar sobre a minha, viro-me para lhe sorrir quando lhe vejo deslizar pelo rosto uma lágrima...
- Foda-se, isto de abrir os vidros não foi nada inteligente, tá um frio do caraças...
E não há como não me rir...
- Está ficar nevoeiro!! olha ali!!! já está nevoeiro!!!! tu... tu tinhas razão André... já não basta esta entrada quando se regressa a casa, com nevoeiro oh meu deus, isto é tão... é ... mágico!
Pergunto-lhe depois de passarmos pelo aqueduto qual é a próxima parte do plano.
- É contigo agora...
- Comigo? o plano é teu... o que é suposto fazer agora?
- Encontra-me um chorão...
Não chega a ser um desafio, afinal... ela sabe bem que é a minha árvore favorita... a nossa alias, algo que temos em comum.
Ela confia em mim, mesmo quando me vê a virar para a minha rua, estacionando à porta de casa, ela sabe que o próximo passo é um chorão.
Entrelaço os seus dedos nos meus, faço-a vir atrás de mim rua fora.
Sinto um aperto no peito quando me lembro de percorrer o mesmo passeio noite após noite até casa da minha avó.
Contornamos o último prédio e estamos perto...
Sinto o ímpeto de correr mas resisto, ela não.
Retomo a dianteira por momentos até a fazer parar.
- Fecha os olhos, confia em mim... - peço-lhe
E ela confia.
Guio-a pela mão, devagar e ela sente que o piso debaixo dos seus pés deixou de ser calçada.
Ela estranha a água que corre ao fundo, o vento que lhe esvoaça o cabelo...
- Quero abrir os olhos! onde é que estamos???
- Ainda não... Roentgen diz-te alguma coisa?
- Foi o cromo que descobriu os raios X? ah porquê que paraste? já posso abrir os olhos??
- Como é que tu sabes isso? ainda não... a sério, como é que tu sabes isso? eu só sei porque está na placa... é que nem sequer é na tua área!!
Levo-a mais uns metros, até ao centro da alameda.
- Agora, já podes abrir os olhos...
- Ok, onde é que está o meu chorã... André... dois... quarto oh meu deus... seis!! oito!!!aaaaaaaaaah isto é só Chorões!!!
(Alameda Roentgen em Lisboa)
E foge-me da mão.
Vejo-a correr quase até à outra ponta da alameda, vejo-a a demasiados metros para ser normal ver-lhe o branco dos dentes àquela hora da noite... o que me leva a questionar o tamanho do seu sorriso...
Vejo-a de mãos na cabeça, vejo-a voltar para mim...
- E atrás... aqui atrás do monumento... tens um grandalhão que...
Não acabo a frase, sou arrastado pela sua mão que arrebatou a minha sem aviso.
Sigo-a pela relva, sigo-a pela folhagem do salgueiro chorão que nos rodeia como se não houvesse mundo para além de nós ali debaixo, como no primeiro beijo que me dera, no longínquo ano de 1999... Ela sentada sobre mim e o seu cabelo solto caído à minha volta, sobre o meu rosto...
Lembro-me que me segurou no rosto com as mãos, me puxou suave mas segura para si e...
E os anos que desde então passaram por nós.
Ela pára, já bem perto do tronco da árvore.
Gira o corpo e encara-me depois de desviar a folhagem que nos separa, aproximando-se.
Ela sorri, no triunfo de quem chega ao fim de um plano, de quem anos depois finalmente encontrou o rumo e atracou ... no seu porto há muito ansiado.
Ela encontrou o seu porto azul.
- Pergunta-me André...
Diz-me e sinto na boca um beijo, e vejo-a novamente a sorrir diante de mim.
- Pergunta!!!
Devolvo-lhe o beijo- demorando um pouco mais de tempo já que lhe tomei o gosto...
- Porquê... porquê que demoraste tanto tempo?
-
E assim chega ao fim o blog A um porto azul...