quarta-feira, 9 de maio de 2012

Yellow Ledbetter

 Unsealed on a porch a letter sat.
Then you said, "I wanna leave it again."

-

Estava exausto, suado e cansado, tinha o estômago a pedir comida.
Tinha - como sempre - abusado na corrida, homem que corre para fugir... não, para se vencer a si mesmo, tem uma certa dificuldade em reconhecer o seu limite, o seu ponto de cansaço.

Parado no semáforo de frente para o rio... atrás de si o hospital onde nascera.

Meditava na pergunta que ela lhe fizera na noite anterior antes de a deixar em casa- já foste ver a tua Avó?

Tinha-lhe respondido sincero, admitindo reticente no orgulho de homem forte em admitir a sua fraqueza que duas das três vezes foram fruto da circunstância, não sua iniciativa.

Verde, arrancou.

Estava pouco transito, podia mas não se apressou.

Mudou de música.

Surpreso mas agradado com a escolha aleatória do ipod aumentou o volume.

Deslizou na melodia sobre o alcatrão, viu o aqueduto e antes da ter que tomar a opção já a sabia que ia tomar, perante o aqueduto, seguiu para a direita, não para sua casa, opção da esquerda.

Acompanhava dentro do possível a letra da música, sorria, agradecia estar só no carro.

(porque cantar certas músicas sem ser o artista original é sempre muito complicado...)

Estacionou, teve sorte no lugar não muito longe da porta do Cemitério do Alto de São João.

Fechou o casaco e guardou a chave do carro no bolso.

Entrou, atalhou pelos jazigos até ao seu.

Sentou-se à buda no chão, diante da porta, colocou nos ouvidos os phones, ligou a música.



Pensou e repensou no que devia ou podia dizer.
Alinhou novidades mas não as disse, parecia tudo tão pouco importante...
Lembrou-se do jogo do dia anterior, do Porto com o Sporting...mas o Sá Pinto não bateu em ninguém ela não ia achar piada...
O seu outro neto tinha um álbum novo... mas isso não era a ele que competia dizer...

Lembrou-se do gato que ela tinha quando viva.
Todo preto, de rua.

Lembrou-se dele cheio de pulgas deitado sobre o seu peito a dormir.

Lembrou-se dos domingos, em que depois de uma corrida, ia fazer um arrastão de bolos ao café e lhe batia à porta de casa para a ver esbugalhar os olhos perante o saque, manjar de mil folhas miniatura que devorava selvaticamente enquanto ele lhe encontrava aquela palavra que lhe faltava para terminar a sopa de letras que lhe estava a dar cabo da tensão arterial encontrar.

Pensou em mil e outras coisas vagas, memórias com o passar do tempo cada vez mais distantes...

Deixou a música terminar, estava ali somente à 5 minutos, mas era a altura de se ir embora.

Levantou-se.

Viu o seu reflexo no vidro da porta e estranhou-se, não se reconheceu... tinha feito a barba antes de ir correr e sentiu-se tão idiota por esse instante...

-Olha! - disse, satisfeito por se ter lembrado antes de partir- antes que me esqueça... eu ontem reguei-te as avencas!!!

Enfiou as mãos nos bolsos do casaco, meteu a música a tocar outra vez, subiu o volume e partiu.

E ele sorria... ah, se sorria.


Nota - quando digo que não é fácil cantar se não for o artista original, obviamente que me refiro ao modo Sui Generis do Eddie de arrastar uma palavra...

Um comentário:

Pusinko disse...

:)
Nice.
Nem sempre é preciso dizer muita coisa. Recados bastam. Como regar as avencas e partilhar uma música podem ser apenas o ideal.