quarta-feira, 23 de março de 2011

Primaveril.

Estremeceu, arrepio de prazer na pele dos ombros às mãos.

Fechou os olhos encadeado pelo sol, aninhou a mão esquerda no bolso do casaco e a direita na trela.

Sentiu que o puxava ansiosa para andar, puxou o braço em sentido inverso, a rua era demasiado longa e inclinada a subir para aventuras ou passeios em velocidade.

Tantos anos, tantos dias neste intervalo de tempo sem preocupação.

Deu-lhe uma palmada no lombo, empurrou-a com o pé... agora perdida num ataque de preguiça e ternura.

Convenceu a cadela a caminhar ao seu lado com um curto assobio e um estalo rápido com a boca.

Aparentavam do alto da rua ser uma debandada de gado em fúria, descontroladas de botas e vestido primaveril, ruidosas e descoordenadas entre si no passo.

Fitou os olhos do animal que suspirou ante tal cenário, aproxegou-se e encostou o corpo às pernas do dono que se chegou à beira do lancil para deixar passar a turba.

Contou-lhes o numero, sentiu a cadela sentar-te junto aos seus pés, fitando a procissão, sentiu o canideo suspirar, nem um cão, mais fiel das criaturas terrestres , tem paciência e pachorra para mulheres em números acima do singular.

Sentiu uma mão tocar-lhe no braço, puxar-lhe a mão do bolso do casaco.

Virou o rosto e viu-a como as outras... primaveril...

Tinha o cabelo solto no acaso do vento, tinha na dele a sua mão.

Encostou o peso da cabeça no ombro dele, despejou em suspiro a respiração.

Vagueou pelo peito dele a mão que tinha livre, palma aberta sem direcção sobre a roupa.

- Esta trela é capaz de lhe estar a aleijar no pescoço... - disse e largou-o.

Ajoelhou-se ao lado da cadela que lhe lambeu em reconhecimento as mãos.

Afagou-lhe as orelha, soltou a fivela da trela.

Afagou-lhe o pelo amassado do cabedal.

- Anda, vamos que é tarde e ainda nos falta um pouco...

- Achas que ela nos segue assim facilmente? já está sentada e em descanso, está ao sol...

- Sai ao dono, fotossíntese é para ti um assunto sério...

Puxou-o pela mão, a mesma que ela requisitara ao chegar.

Seguiu o sorriso dela sobre o ombro.
Seguiu a roda do vestido dela.
Seguiu-lhe o contorno do corpo dentro do tecido, a alça que acidentalmente caiu.

Ele seguiu-a, sem dizer nada.

A cadela seguiu os dois.

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