No domingo, qualquer coisa à volta das 15h quando estava no Hall dos elevadores do sexto piso do Hospital de Cascais num combate titânico com um café recém tirado da máquina - O mostrengo estava cheio demais, quente demais e eu consegui javardar a minha retardada pessoa num ápice... resumindo numa palavra: Patético
Dizia, estava no hall dos elevadores quando a vejo surgir pelo corredor do lado direito.
Fico com os palitos no ar presumindo pelo branco da roupa estar na presença de uma jovem médica, tento corrigir a atrapalhação e o caos do ataque que fui vitima pelo café.
Endireito as costas, levo o copo à boca numa mistura de anúncio de relógios com perfume para homem...
É fundamental dar aquela postura pás damas...
Reparo que não é bata o que trás vestido, é roupão.
Reparo que está de chinelos e o rosto que me sorrira num primeiro instante está carregado e fechado.
E Passa-me a taradice...
Foda-se, o que fazes tu aqui mulher? o que fazes tu neste piso?
Vejo-a entrar no elevador, encostar-se na parede e ficar de frente para mim quando as portas se fecham entre nós.
Atiro o copo para o lixo, ia ajeitar o cabelo mas lembro-me que tenho a mão peganhenta do ataque vil e selvático de que fui vitima.
Carrego no botão para chamar o elevador, a porta abre e vejo-a novamente encostada à parede, concentrada no seu telemóvel.
A viagem é rápida. Apesar de estar mais perto da porta faço um compasso de espera e com a mão indico-lhe que saia primeiro.
Ela sorri e agradece.
Eu vagueio pelo hall até encontrar uma cadeira vaga, perto da janela.
Sento-me e ligo o ipod quando recomeça a chover torrencialmente.
O tempo passa e abstraio-me do que me rodeia perdido em pensamentos vagos.
Estava tão distraido que não reparei que ela se tinha sentado ao meu lado.
Puxa-me a manga.
Retiro os phones.
- O que estás a ouvir?
Entrego-lhe um dos phones e paro a meio caminho quando percebo que vou por em jogo a minha reputação ao lembrar-me da música que tocava nesse momento
- Ah... isto está no aleatório!!
Ela coloca o phone, aguarda uns segundos e tira-me o ipod das mãos
- No aleatório? isto já vai nos dois minutos e quinze da música, podias ter mudado de música mas não... ao menos admitias!!
Dito isto entrega-me o outro phone livre que estava sobre o meu colo.
Passam coisa de trinta segundos da música quando me pergunta se eu sei a música de cór.
Admito que sim.
Ela acena negativamente com a cabeça em reprovação.
A música chega ao fim e ela carrega para trás, para ouvirmos outra vez a mesma "peróla" emasculativa que eu estava a ouvir "acidentalmente"
A música termina e ela tira o phone, eu acompanho-lhe o gesto.
Não me recordo quando tempo passou até ela voltar a falar novamente.
- Olha para o que chove... parece que somos nós o aquário e lá fora o mundo é água... somos o equivalente a dois peixes dentro de um aquário...
Ela repara que a ultima frase fez-me sorrir
- O que foi?
- Nada, lembrei-me de uma piada...
- Conta!
- É idiota...
- E? conta!
- Estão dois peixes dentro de um tanque... vira-se um para o outro e diz: - "olha lá, tu sabes conduzir esta merda??"
Durante meio segundo entro em pânico na expectativa da sua reacção à (fantástica) piada.
Sucesso! estrondoso sucesso, estamos todos de parabéns, eu a minha equipa, o meu agente... quero agradecer à minha mãe, quero agradecer ao meu irmão e mandar um beijinho para o Dédéu que o amo muito e...
e do riso... dou por ela a chorar.
Não sei o que fazer ou dizer...
- Hey...
(boa André)
Aproximo-me dela, tiro-lhe a farripa de cabelo do rosto e ela sorri, suspira
- Desculpa... é que eu... eu estou tão farta de estar aqui...
- Por instantes assustaste-me, pensei que tinha sido a piada
- Também! que piada terrível!!!
- Não é nada terrível! é fantástica como todas as minhas piadas
- Ah sim? conta mais...
- De peixes?
- Tu tens mais piadas com peixes??
- Tenho uma...
- É tão má como esta?
Fito-a simulando estar magoado com a observação.Remexo na carteira e entrego-lhe um papel - dos vários- que tenho dentro da mesma.
Aponto para o que está sozinho do lado direito
- Este aqui deu um peido...
Ela cospe-se, ela engasga-se, ela tosse-se toda durante uns minutos.
Pára de rir e volta a olhar para o papel retomando o ciclo até conseguir controlar a respiração.
Ficou do meu lado mais uns minutos.
- Tenho que me ir deitar, estou cansada.
Entrego-lhe o desenho, ofereço-o como recordação.
- Se eu fico com isto... como é que contas a piada outra vez?
- Se desenhei uma, desenho duas.
Ela sorri, coloca o desenho no bolso do roupão, fuça com o pé atrás do chinelo de hospital que estava a teimar em fugir e levanta a mão para me dizer adeus
- Vê se melhoras depressa
Virou-se e partiu.
Segui-a com a vista até à recepção, vejo-a aguardar pelo elevador desejando egoísta que este demorasse mais tempo, para poder de alguma maneira prolongar o momento...
Vejo-a deslizar a mão pelo roupão para o bolso. Pensei sinceramente que ia controlar o telemóvel mas não, foi o meu desenho que tirou...
Era o meu desenho que a fazia rir quando as portas do elevador se fecharam entre nós.
Notas:
A música que estava a ouvir: The Flame dos Cheap Trick
O desenho que lhe dei era a versão final, tinha em casa um rascunho - o que coloquei acima a meio do texto.
Isto leva a questionar o facto de eu ter desenhado duas vezes um peixe a dar um peido.
Sou um perfeccionista...
Não, não sei o nome dela.
4 comentários:
são posts como este que ainda me fazer seguir blogs :)**
uau a serio! ahaha e ooooh , emoções misturadas e como sempre a tua escrita muito prºopia!
Tão bonito
as pessoas nos hospitais são diferentes, especiais, com uma forma de encarar a vida de uma forma mais relaxada e verdadeira.
e muito poucas esquecem quem as fez sorrir lá dentro!
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