terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O Meu Amante gay e a sua esposa.

A primeira vez que vi o gajo foi há coisa de um ano, num domingo em que chovia. Ele não era daqui.
Entrou-me pelo bar e sentou-se ao balcão. Tirou as luvas, sorriu e perguntou-me se apanhava o canal onde ia passar o jogo do clube dele.
Levou-me a meter o bar em polvorosa, quase em motim quando fazia zapping à procura do jogo.
Voltou cá no fim de semana seguinte, e depois voltou no outro e o outro a seguir até que passou a vir também durante dias de semana. Tínhamo-nos tornado amigos.
Engraçado recordar que, a certa altura eu reparo que no bar estava tudo a torcer pela equipa dele durante os jogos, a certa altura reparo que me tinha conquistado a clientela.
Muitas vezes ficou a ajudar depois da hora de fecho, umas vezes a acabar o barril da cerveja, outras a limpar mesas e clientes alcoolizados de frente da porta.
Ninguém percebia o que fazia atracado à gaja que vivia com ele.
Estavam juntos há pelo menos dois anos, ele evitava falar dela, dizia até por piada que durante os jogos descansava a cabeça, afinal, podia desfrutar do silêncio...
Ninguém gostava dela, eu cá pensava que se ele gostava, alguma coisa ela devia ter para ainda estar com ela.
Algo que nunca encontrei.
Ele naquela noite olhou para o ecrã e mandou abaixo o resto da cerveja  - Cheira-me que vão adiar o jogo assim como está, é da maneira que vou mais cedo para casa hoje e durmo umas horas extra...

Tentei demovê-lo mas nada feito, meia casa foi embora quando perceberam que não haveria jogo.

- O teu amigo hoje deu-nos cabo do negócio!- disse-me a verdadeira dona da casa, que me tinha posto uma aliança no anelar, não para eu não ter ideias, mas para demover qualquer aventurosa cliente que gostasse demais da minha cerveja.

- Ele não bebe assim tanto...

E calei-me, ele estava de volta, com um cacto debaixo do braço.

Sentou-se e colocou o cacto sobre a mesa.

-Então? saudades minhas? - digo e coloco-lhe uma cerveja à frente

- Antes fosse... preciso de um sítio onde por aqui o Miguel - apontou para o cacto - a dormir esta noite, isso e talvez que me ajudes a encontrar onde ficar nos próximos dias.

Fitei-o.

Contornei o balcão, sentei-me na cadeira ao lado da dele. Acenei-lhe que falasse.

- O que queres que diga?

- Somos amigos não? é natural que pergunte o que se passa

- Cheguei mais cedo a casa, apenas isso.

- Apenas?

- Isso e Ela estava lá a ser comida por um gajo qualquer.

Fitei-o em silêncio, ele nada disse.

- FODA-SE! filha da puta! - disse a dona da casa do outro lado do balcão.

Ele riu-se e levou a cerveja à boca, não respondeu.

A dona da casa inclinou-se sobre o balcão e beijou-o no rosto.

Ficámos em silêncio, ele terminou a cerveja e ofereci-lhe outra.

- Só se me fizeres companhia, não tem graça beber sozinho.

- Tenho um sofá estupidamente confortável, está vazio, podes ir para lá com o Miguel.

- Não coloco nenhuma objecção. - disse a Dona do bar e foi atender um cliente n'outra parte do balcão

- Se ela não coloca objecções está feito, ficas lá hoje em casa, acredita, o sofá é confortável... lembras-te da Checa que tava aqui quinta?

- A que era designer ou lá o que era?

- Essa mesmo, a gaja deu-me uma gorjeta 5 estrelas e começa-me a fazer conversa... ali a patroa ficou toda fodida com ciúmes e meteu-me a dormir lá... ah ah ah... o giro é que passados 5 minutos veio-se enroscar no sofá e... ela vem aí, age naturalmente.

- Olha lá, isto é estúpido... mas tenho que te perguntar...

- De gatas

- Ah?

- Tava a comê-la de gatas

- Eewww, não bebes mais... o que eu quero saber é isto... mas que raio tá aqui a fazer o Miguel? tu chegas a casa, apanhas a Puta a fazer de Puta... e... vens-te embora com o cacto?

- Foi a minha Mãe que me deu o cacto, há que respeitar certas coisas...

Estranhamente, fazia sentido.

Chegados a minha casa diz-me que lhe ia enviar uma mensagem só para não meter a policia à procura dele.

- As tuas coisas? como fazemos?

- Fazemos?

- Estás a pensar que vais lá sozinho, é muita coisa?

- Importante? não, roupa que cabe numa mala, uns cd's, livros, talvez uma ou duas coisas realmente importantes, o resto que se foda.

- Quando queres ir lá?

- Vou amanhã quando sair do trabalho... mas não sei onde colocar as cois...

Vejo a mulher com quem me casei arrastar o móvel, abrindo-lhe os braços como um mágico para o espaço vazio.

- Tens uma semana, depois ponho-te a mexer que não gosto de partilhar o meu homem e vocês são demasiado cúmplices, agora .. vou dormir.

Abraçou-o, beijou-o no rosto e despenteou-lhe o cabelo

- Conheço tanta porca que te vai querer comer... tu com esses olhinhos de estrangeiro perdido a  pedir colinho...

- A sério? não achas que é cedo demais? - digo-lhe

- Elas já o queriam comer antes, tás a ver a Anita? imagina agora que ele tem esta história de cachorrinho para contar... vou ter que passar a desinfectar as maçanetas cá de casa para não apanhar nada de tanto sexo que lhe vão fazer... vais ver

Ficamos a olhar um para o outro estupefactos.

- Onde é que tu arranjaste uma gaja destas?

- Ikea...

- A sério?

- Não, quer dizer, ela trabalhava numa loja, mas não era o Ikea, era de informática, porra, a quantidade de ratos que comprei só para ir lá refilar com ela e meter conversa...

- Sempre dá mais jeito que ires lá trocar um roupeiro... tinha sido impossível, assim... foi o destino!.

Colocou o Miguel em cima da mesa da sala, afagou as orelhas do Maldini, o meu gigantesco cão de Montanha dos Pirenéus.

 - Bem, vou dormir, o Cão fica onde?

- Depois descobres.

O cão ficava no sofá, independentemente de quem lá também estivesse.

-

Eles já estavam à minha espera, bem dispostos.

- És sempre a mesma merda, só não chegaste atrasado ao nosso casamento porque és um cagão com o meu Pai.

- Também te amo muito meu anjo, olha, antes de subirmos...

- Eu acho que ela cabe no tapete da sala, bem enrolada, já estacionei o carro no beco e a tua mais que tudo tem uma pá...

- Não, quero saber se estás ok para isto, não é fácil...

- Já vês, só vos peço que aconteça o que acontecer... eu não me demoro mais do que 30 minutos lá em cima, combinado?

- Já me viste a arrastar gajos com o triplo do meu tamanho do bar, gajos que aqui o meu querido marido acha giro ficar a ver-me ter o trabalho todo sem me ajudar...

- Ficas tão sexy a bater em homens grandes...

- Vem cá seu canalha- disse e puxou-me para o seu corpo

- Vamos lá? já vi demasiadas pessoas que não eu a fazerem o sexo este mês e ainda estamos a 16...

- Vamos! isto se tiveres as chaves, era tão lindo...

Ele tinha as chaves, subimos.

Entramos e ela estava sentada no sofá. Levantou-se.

- O que aconteceu? o que se passa? não vieste para casa depois do jogo...

Ele olhou para ela e sorriu

- Este é o meu amante Gay e a esposa dele.

- Confere - diz a minha esposa.

- Não tem piada - disse ela - fiquei preocupada...

- Por eu ter arranjado um viking alto grande e musculado e tu teres... aquilo parecia-me um filipino ou sei lá, um hobbit...

 - Estás parvo? foda-se, estás a dizer o quê?

Vejo-o retirar o telemóvel do bolso do casaco, tactear, encontrar e mostrar-lhe o ecrã.
Os olhos dela abriram-se, o rosto corou, levou a mão ao telemóvel sem sucesso.

- Eu apago a foto, foi só mesmo para evitarmos uma conversa desnecessária...

- Eu amo-te, não! NÃO! não faças isto! não...

A patroa apertou-me o braço, estava a ficar irritada

- Posso-lhe bater? posso? deixa lá... não sejas assim...

Ele foi ao quarto, eu entrego a lista que nos fizera à minha impulsiva mulher e começamos a retirar das prateleiras os livros e cd's que ele tinha escrito no papel.

Ela no quarto gritava, implorava, ameaçava, argumentava com chantagem e dele não ouvimos uma única vez a voz.

- Olha lá, não tá na lista, mas este poster do Casablanca é qualquer coisa de mágico, é teu?

Ele sai do quarto, olha para o poster e para a minha mulher - não, é teu agora, fui eu que o paguei o mês passado.

A minha mulher olha para mim, olha para ele, levanta a mão e diz - jackpot!

E ele devolve-lhe o pedido de um hi-5.

- NÃO! NÃO! NÃO! tu não vais a lado nenhum!

- Já fui, fui ontem, e fui embora.

Acabou de arrumar as coisas já me doía a cabeça de a ouvir, percebi então o que ele queria dizer com estar num bar apinhado de gente a ver futebol ser o seu "momento de silêncio".

Descíamos as escadas pela última vez e ele volta para trás, ela tombada num drama cénico na porta entreaberta.

Ele chega ao pé dela, ela estende-lhe a mão

- Eu sabia que voltavas...

- Não foda-se, achas?  - e tira do porta chaves a chave da porta, atirando-a de seguida para o chão.

Entramos no carro, arranco.

Fazemos uns quilómetros em silêncio.

Minha esposa tira o cinto e atraca-se nele, dá-lhe um beijo no rosto.

- Estou tão orgulhosa foda-se, foste simplesmente épico... até fico com remorsos de... de...

- De? - perguntamos os dois ao mesmo tempo.

- De ter gamado este vaso com malmequeres que encontrei...

- Não fiques, eram dela!

Semanas mais tarde, já depois de ter comido a Anita meio por acaso - há quem diga que a Anita aproveitou uma noite de comemoração excessiva após uma vitória por 3-2 no último minuto que me deu cabo de duas mesas na celebração do golo... há quem diga que a Anita o violentou no WC dos homens e é por isso que o autoclismo não funciona bem às segundas feiras...

Dizia, semanas mais tarde estávamos sentados num sábado de manhã a comer bolos sobre a relva ao pé do rio, ele acompanhado de uma Sueca que não o largava a tentar saltar-lhe para cima em público, uma gaja tão boa que a minha fantástica esposa afirmou e passo a citar -"se me traísses com esta gaja até te dava os parabéns foda-se! aliás, eu é que te vou trair com esta gaja, olha-me bem para aquele cu!" - quando vemos ao longe a Ex dele.

- Tu foge, ela deve andar à procura dos Malmequeres!

- Oh pá... diz-me, a sério... como é que não lhe chamaste nomes? como é que fizeste aquilo tão... tão cool, tão controlado?

- Como? olha, a vontade, óbvio, era chamar-lhe nomes, berrar com ela, era muita coisa que me ocorreu mas depois pensei... Eu tinha-me acabado de livrar dela... e ela ia e vai-se aturar eternamente.

Levantei-me, minha esposa levantou-se, a Sueca levantou-se sem perceber bem a coisa.

E demos-lhe uma salva de palmas.


4 comentários:

Shinobu disse...

cativou-me a leitura... épico!

Pusinko disse...

Mto bom. Mesmo mto.

T. disse...

Muito bom, quando eu fôr grande quero saber escrever assim;)

Anônimo disse...

Epa, homem, escreve um livro! Parabéns, está mesmo muito bom.