segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Caso das Linguas de veado...

 I

Eu, Ernesto de Sousa estava no caso, eu era o caso.
No instante que abri a porta soube que havia problema.
A noite ia alta e chovia lá fora... Pronto ok, era de dia e tava um sol do caraças, mas vamos imaginar que era noite alta e eu estava de sobretudo.
Algo cheirava mal, eram as minhas meias no chão.
Fiquei parado na porta do quarto. A luz entrava vaga pelas farripas da janela, o que é mentira porque é um banalíssimo quarto com estore, mas adiante.
Tenho duas amantes, uma encontro no reflexo de um copo de whiskey, amante que uso para esquecer, outra trago junto ao peito do lado esquerdo...
Não, não é uma arma, é o cartão de sócio do Atlético que trago na carteira no bolso interior do casaco...
A não ser que a carteira esteja muito cheia, ai tenho que andar com ela na mão e deixa de andar junto ao peito, mas voltando ao caso...
Senti que algo cheirava mal, para além das meias.
Decidi não entrar logo no quarto, observar, analisar... e fui fazer pipocas.
Voltei para a porta do quarto, continuava a não fazer sentido e ainda não sabia o que era.
Algo não estava bem.
Acendi a luz, o que devia ter feito logo que cheguei, sempre ajudava a ver as coisas, mas não, fiquei parado à porta e...
Adiante...
Acendo a luz e sinto um arrepio subir pela coluna, o quarto estava arrumado... alguém esteve ali.
Acama estava feita, bem vincada e presa de lado...não sei que mente doentia ia fazer uma coisa dessas...
Reparo num papel amarfanhado caído no chão, o primeiro erro.
Retiro uma caneta do bolso e levanto o papel para o ver à luz sem contaminar a prova.
Cheiro, lambo... confere, era papel.
Olho para o resto do quarto e o horror.
Papel e papel destruído, babado, destroçado, espalhado pelo chão do meu quarto entre a cama e a janela.
Sinto o almoço subir-me à boca de raiva... que monstro iria fazer algo tão...vil, tão violento...
Era óbvio, não havia mais como negar...

Alguém me gamou as línguas de veado que comprei para a minha mãe de manhã quando fui ao café...



II

O erro fora meu, uma caixa com línguas de veado era tentação a mais.
Faço o filme na minha mente, ainda tonto e atordoado com o choque da descoberta e não encontro maneira ou jeito de alguém me ter visto a entrar com a caixa.
Sou obrigado a concluir... estou a ser vigiado.
Corro para a parede ao lado da janela. Sinto-me observado.
Tinham feito um inimigo, um implacável inimigo, pelo menos aos fins de semana que durante a semana trabalho e não me dava jeito nenhum... e ao fim de semana mais para depois da hora do almoço... e depende do que almoçar, às vezes dá-me uma soneira quando almoço bem... fico a tarde toda a dormir...
É tempo e hora de passar a acção.
Ernesto de Sousa está no caso, é o caso.
Saiu do quarto decidido, entro pela sala e vejo a minha mãe a dormir no sofá.
Tinha uma manta sobre o corpo, dormia profundamente.
Acordo-a sem piedade.
Pergunto-lhe onde esteve todo o dia, ela responde-me que adormeceu ali e se me estou a sentir bem que tou estranho.
Digo-lhe, exijo que me prove que esteve a dormir todo o dia, se tem testemunhas...
Ela pergunta-me se estou parvo ou andei a comer amêndoas com recheio de chocolate outra vez e diz-me que se quero testemunhas que pergunte à cadela...

A Cadela estava deitada a dormir na sua cama ao pé da varanda da sala, ao sol.
Ressonava profundamente.
Ela era o tipo de mulher que te partia o coração ou te mijava no tapete do hall quando não aguentava até ir à rua, mas eu já tive a minha dose de mulheres destas no meu tempo, já lhes conheço os truques e manhas...
Chamo-a pelo nome, ela não acorda.Ajoelho-me ao lado da sua cama, ela abre os olhos e espreguiça o corpo.
Pergunto-lhe o que andou a fazer, severo, ela reage como a ex... comprometida, atrapalhada e dá-me a barriga para lhe fazer festas... seduzindo-me.
Mas eu, Ernesto de Sousa... Eu não tou a dizer que ela é uma Gold digger, mas ela também não está a lidar com um Nigga falido...
Eu resisto, a importância do caso a isso obriga-me.
Ela tem o nariz sujo, é comida.
Seguro-a firme, retiro-lhe um dos vestígios do nariz, provo, era arroz.
Deduzo que a prova é falsa, para me despistar... mas eu depressa e novo aprendi a nunca confiar numa mulher com comida no nariz.
Mulher com comida no queixo já pode ser, é para casar... no nariz...
Puxo-a para fora da cama, ela faz peso morto, mordisca-me as mãos...
Minha mãe pergunta-me o que estou a fazer à cadela, eu aponto-lhe o dedo (à mãe) e acuso-a de ser cúmplice... é uma conspiração!
Encontro meia língua de veado debaixo do corpo da cadela, meio mastigada, meio a saber a pelo de cão suado mas estava comestível.

Mais um caso encerrado.


 

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