sexta-feira, 29 de julho de 2011

E agora?



" So if i say save me... save me, be the light in my eyes"

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A primeira imagem que me recordo é do meu téni esquerdo, castanho de sola branca, meio sujo na ponta.

Olho em meu redor, à esquerda o passeio em rampa, diante de mim o jardim e para a direita vejo uma rua inclinada e a estrada depois do passeio.

Sinto o sol filtrado pela folhagem das árvores que me rodeiam, está quente com um pouco de vento.
Lembro-me de chegar ali pouco depois do dia nascer mas o tempo passou depressa, vejo o sol bem no alto, iluminando tudo em meu redor.

Tiro uma fotografia de sombra sobre o verde no relvado diante de mim, rodo o corpo para a direita procurando nova imagem para fotografar quando ela surge contornando a esquina.

Calças pretas e aquela alça cinza descaída expondo-lhe o ombro, cabelo solto em redor do rosto meio tapado pelos óculos mosca que lhe cobrem os olhos castanhos.
Viro-lhe costas e concentro-me atrapalhado no que finjo estar a fazer com a máquina, começo a andar como se fosse essa naturalmente a minha intenção.
O piso inclina e encontro-me a subir a rampa para a rua na cota superior.

Avanço mas não estou só.
Olho para a minha esquerda e vejo-a caminhar ao meu lado, mesmo passo, coincidência do acaso.

Contornamos ao cimo da rampa o muro e viramos para a mesma direcção, duas ruas depois estou em silencioso desconforto.

Ela ainda não me reconheceu.

Giro sobre a perna esquerda e fico à sua frente, sem parar de andar.

Fito-a nos olhos e chamo-a pelo nome, pergunto-lhe se acertei.

Ela sorri e diz-me que lhe falha a memória...

Eu respondo-lhe que é natural, foi há imenso tempo.

Ela enrosca o seu braço no meu e diz-me que vamos primeiro para baixo, que ela tem que se encontrar com alguém que a espera e depois logo se vê.
Coincidência irmos ambos para o mesmo lado.

Eu digo-lhe qualquer coisa com piada, inteligente e perspicaz, ela devolve-me a graça e supera.
Entramos em parada e resposta e ela arrasa-me todas as vezes.

Não sei como lhe responder, é desconfortável na surpresa e capacidade de reacção.

Caminhamos entre dois prédios altos, eu disperso-me dela para o edifício, peço-lhe desculpa quando me chama à atenção a minha ausência da conversa, digo-lhe que é defeito profissional.
Ela encosta a cabeça no meu ombro, abraça-me o braço e avisa-me que chegamos.

Deixamos de estar sós.

Caminho à sua frente, em conversa, ela por vezes interrompe, foge da sua parelha para a minha para me atiçar e recordar que não foi a lado nenhum, ainda está ao pé de mim.

Paramos diante de uma enorme porta de madeira. Um muro alto de pedra cinza desgastada pelo tempo marca o momento que nos despedimos de quem por momentos nos acompanhou.

Ela atravessa a porta primeiro, eu fico retido numa educada despedida.

Atravesso a porta e deixo de a ver entre a multidão.

Para a esquerda uma rua que desce onde não a vejo, diante de mim uma rua que sobe ladeada por uma grade metálica... há algo no local que me lembra o miradouro de São Pedro de Alcântara...
Gente, muita gente à minha volta e não a consigo encontrar...

Desespero, esconjuro-me.

Vejo-a de braços abertos exasperando pela minha lentidão ao cimo da rua em frente.

Serpenteio pela multidão que me atrapalha a distância que nos separa intrometendo-se no caminho- mas de onde apareceu esta gente toda?
Concentro-me em não a perder de vista até conseguir segurar-lhe na sua mão com a minha.

- E agora? - Pergunto-lhe

- E agora? agora vens comigo... - responde, puxando-me atrás de si.

Avançamos, chamam-a pelo nome.
Ela apresenta-me e diz que também vou. Não vamos estar sós, mas eu gosto da ideia, da ideia de ser uma desculpa para estar mais tempo com ela.

Já não sei há quanto tempo estamos ali.
É indiferente.
Ganho confiança, arrisco uma piada, depois outra... e outra... e outra
Quando ela pára de rir pergunto-lhe se abusei, ela suspira, gira a cabeça para trás e responde:

- Achas??

Subitamente...
Subitamente estou confiante, está tudo bem.
Tenho-a nos meu braços, minha.

Acordo.


Nota - Criatura reincidente, nem consigo dormir descansado.

Fod****

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