quinta-feira, 8 de março de 2012

1.

Vestia-se com esforço.
Magoada, dorida, cansada.
Cansada demais.
Ficou pronta e sentou-se na cama. Respirou fundo e pensou que em certos momentos na vida ficamos sem Ases...
Mas agora não era de um Ás que precisava....
O que lhe dava mesmo jeito agora era que lhe saísse um Joker...
Enrolou o cabelo e largou-o sobre o ombro esquerdo.
Empurrou-se para fora da cama.
Vestiu o casaco e abriu a porta de casa. Deixou-se ficar sem pensar propriamente em alguma coisa em concreto a olhar perdida para a sombra que preguiçosa lhe desenhava o recorte da janela pelo corredor.

Sabia que a areia ia estar fria mas não hesitou.
Mergulhou os pés, cravou os dedos, arrepiou-se na vontade da pele fugir quando um pé primeiro e depois o outro sentiram o granulado vincar a sua presença num até que saboroso choque repleto de cocegas ... Avançou primeiro descoordenada, ajustando-se, depois suave e tranquila até se encontrar sobre a areia lisa e molhada.
Lembrava-se demasiado, quer em numero de vezes... quer numa só vez contínua sem que encontrasse resposta.
Achava que era um defeito de personalidade o quão presa estava no que já não havia volta a dar, pequenas coisas miudinhas que eram um tormento...
E estava a pensar naquilo outra vez.
Irritou-se e soltou um foda-se.
Fitou o mar, fitou a praia vazia à sua volta.

Já não aguento mais - sentiu, desabafando as palavras baixinho
Preciso que me chova em cima, agora - rematou e calou-se.
Sentou-se e levantou-se quase de seguida.

Já não estávamos no verão.
Já passou demasiado tempo para ainda aguardar uma resposta.
Já tinha vagueado demasiado num deserto de coisa nenhuma.

Tudo mudava, pessoas vinham e iam embora à sua volta.
Voltava atrás nas páginas, esquecia-se do que lera minutos antes e não sabia se era culpa da história ou de estar com falta de concentração ou dele que nunca mais chegava mesmo estando a horas de distância do combinado.
Tinha-se esquecido do chá, estava frio e sem graça.
Tinha-se esquecido do que acabara de ler...
Outra vez...

Fechou o livro e experimentou o desenho.
Experimentou café.
Experimentou as fotos no telemóvel, experimentou o livro novamente e...
O Café estava frio e sem graça.

Colocou os phones.
Experimentou Eminem, Loreena Mckennitt, acalmou um pouco com a Chi dos Mando Diao.
A música fazia-lhe lembrar uma morna e pensou que gostava de ir a Cabo Verde com ele.
Será que ele queria mesmo ir viajar ou era algo que dizia da boca para fora? ou se calhar estava era a ser parva como sempre porque não tinha o menor motivo para questionar o que Ele lhe dizia.
Era tão irritante, irritava-a o cabrãozinho ainda não ter sido apanhado numa mentira ou mesmo numa pequena tanga nestes anos todos.
Ele era muito bom, muito bom mesmo.
Mexeu no cabelo, primeiro enrolando-o nos dedos, depois segurando uma farripa diante dos olhos, desfiando-a, analisando-a intensamente.
Pensou então que devia estar com os olhos retardados a olharem junto ao nariz para o cabelo.
Uma gaja cheia de classe, como sempre.
Ocorreu-lhe que se calhar nunca iria ser Mãe, talvez isso fosse bom para a criancinha...
Ocorreu-lhe que se calhar era mais saudável fazer menos filmes e dramas e a gaja na outra mesa parar de olhar na sua direcção.
Não gostava de ser observada.
Com ele era diferente, era literalmente " we just don't care", mas sozinha...
Sozinha sentia-se atacada, frágil e apetecia-lhe não ser tão alta para dar menos nas vistas.
Apetecia-lhe poder enfiar um capuz e ficar sossegada sem parecer idiota de capuz num espaço fechado.
Apetecia-lhe tostas e molho de sapateira.
Apetecia-lhe uma bifana.
Apetecia-lhe ver o Artista outra vez como se fosse a primeira.
Apetecia-lhe ter os pés no tablier do carro dele após um dia de praia em que ele a conduzia para casa... ou para um gelado e agora que pensava nisso...

Apetecia-lhe um gelado...

Com chocolate... "chocolate com chocolate com chocolate e chocolate por cima".

Mudou de música, uma, duas, seis vezes até se dar por satisfeita na Breakin' Me do Jonny Lang, não era a If we try (best song evah!) mas havia qualquer coisa de reconfortante no piano de fundo na música, talvez a maneira como começava como se fossem gotas a cair do lado de fora da janela...

E a porta do café abriu-se, sorriu ao reconhecer-lhe os ombros, o casaco o rosto que lhe retribuía o sorriso.

Ia tirar os phones mas não teve tempo. Esperou que a acabasse de beijar, esperou que se sentasse e levantasse novamente para contornar a mesa e repetir o beijo.

Três vezes...


- Olha mulher, não sei se te correu bem o dia, já me contas o que fizeste hoje, não sei se te apeteço ou se te apetece mas... apetecia-me mesmo ir contigo comer um gelado, o que dizes?

- ah... não sei... convence-me...

Levantou-se, contornou a mesa...

2 comentários:

Hathor disse...

Amei....
tudo, desde os pés na areia, as tostas com sapateira (falta ai a bela da imperial ou mini), o gelado de chocolate com chocolate e cobertura de chocolate e creme de chocolate e tudo de chocolate, e o final........... grrrrrr e homens assim onde????

T. disse...

Eu sei que é completamente lamechas, mas adoro ler o o que escreves, os teu textos prendem-me ao ecrã;)