domingo, 11 de março de 2012

2.

Estava desconcertado... desconfortável.
Estava a ouvir David Bowie com gosto, sinal que qualquer coisa não estava bem.

Mesmo quando era a Modern love.

Queria chegar a casa e tirá-la da parede, do quadro.
Segurá-la pelo colarinho e recolher-lhe a pessoa, reclamando-a para si.
E não ser somente o silêncio da tela à sua frente.

Até era de certo modo engraçado, aquando da sua ausência sentia-se enredado na vontade de a encontrar no que dela encontrava à sua volta...
E nos momentos que a tinha ao pé de si, desesperava pela capacidade de a prender naquela imagem, naquele instante.

Lembrava-se com força do ombro dela na cama ao seu lado.
O cabelo acompanhando a forma da almofada para o ombro ondulando suave o reflexo da pouca luz do quarto dela.
Desesperou por parar o tempo e guardar dela essa imagem.
Não tinha tal poder, mero humano... frágil e mortal.

Mudou de música, manteve-a no pensamento.

Sentia e sabia que estava longe do homem que podia ser.

Podia dizer tanta palavra, uma atrás das outras enquanto lhe batia o coração no peito e continuar distante.
Distante de aplacar a vontade, o desejo de lhe dizer - não passes por mim, fica...

Podia ser um homem cheio de cor.
Podia ser apenas preto e branco se ela quisesse...
Vários tons de cinza, por ele tudo bem.

Mas sentia-se longe de ser qualquer coisa que justificasse ela ficar ao pé de si.

Hoje ia ser daqueles dias...
Teria o sol de manhã pela janela do seu quarto, teria a lua à noite da janela do quarto dela...
E pelo meio disso ia tê-la encaixada no seu abraço...

Divagava, perdia-se na ideia de lhe projectar e fazer uma casa...

Para a ver, para a contemplar, desenhava uma janela encostada ao chão num dos quartos ou no escritório.
Não era uma parede de vidro, nem uma porta, era mesmo uma janela que induzisse a ideia de se sentar no chão para aproveitar a luz.
Encher-lhe o recanto com almofadas, do lado de fora do vidro relva... jarros e jeribérias.

E ela sentadinha a ler.

Ia poder disfarçar que lia qualquer coisa ao seu lado...
Ia poder ter o tal momento, o tal instante dela ao pé de si... como se estivesse parado no tempo...

Era um plano, um bom plano!
Faltava o projecto, a casa e a pessoa dela alinhar na coisa...

E arranjar-lhe um bom livro para ela ler sossegada, era complicado aplacar-lhe a exigência literária.

E um cão, a cena ficava bem era com um cão, daqueles grandes com muito pelo e preguiça...

E... saltou do sofá.
Tocavam à porta, era ela, um pouco antes da hora combinada.

Não conseguia articular bem as frases com o que lhe queria dizer e saía asneira.
Não era mau,, longe disso, ela ria.
Ela ria e muito.
Ela agarrava-se à barriga de tanto rir.
Não sabia como lhe explicar o quão arrepiante, o quanto o esmagava a sua imagem, o seu cheiro, a sua presença.
Não sabia nem como ficar calado... quanto mais dizer qualquer coisa que fosse galante, interessante ou minimamente inteligente.
E ela ali, à sua frente...

As horas passaram e fez-se noite.
Afastou-lhe o braço que a envolvia deitada sobre ele no sofá, a cadela aninhada aos pés dos dois.
Levantou-se.

Foi tomado pelo medo, foi tomado pela imagem da ideia que se iria embora.

Colocou-se à sua frente, fazendo-a parar e sincero, exposto, dando tudo de si pegou-lhe na mão e pediu-lhe baixinho:

- Não passes por mim, fica...

Ela aproximou-se, puxou-lhe os lábios devagar com os seus, sorriu e respondeu-lhe:

- Tenho fome... ia buscar bolachas.

Um comentário:

Hathor disse...

OOOOOO pussy cat pussy cat.....
Das vontade de agarrar e esmagar num brutal abraço ....
oooooooooo pussy cat pussy cat.....